26 de outubro de 2008

A Dignidade

Os estóicos ensinavam os segredos da dignidade: contentar-se com o que tem, restringindo as próprias necessidades. Um homem livre não espera nada dos outros, nem precisa pedir. A felicidade que o dinheiro dá está em não ser obrigado a pensar nele: por ignorar este preceito, o avaro não é livre, nem feliz.
Os bens que temos são a base de nossa independência; os bens que desejamos são os anéis da corrente que nos liga à escravidão. A fortuna aumenta a liberdade dos espíritos cultos, e torna vergonhoso o ridículo dos papalvos. É suprema a indignidade dos que adulam tendo fortuna; esta os redimiria de todas as domesticidades, se não fossem escravos da vaidade.
Os únicos bens intangíveis são aqueles que se acumulam no cérebro e no coração; quando estes faltam, nenhum tesouro os substitui.

J. Ingenieros

O Hipócrita

Uma palavra do hipócrita basta para separar dois amigos, ou para distanciar dois amantes. Suas armas são poderosas, devido a serem invisíveis; com uma suspeita falsa, pode envenenar uma felicidade, destruir uma harmonia, quebrar uma concordância.

J. Ingenieros

AS CARTAS VII

Poesia de Francisco para Maria remetida em agosto de 1923
Ao teu ouvido, em surdina...
Teu perfil, pouco a pouco, suaviza-se
no ouro embaciado do crepúsculo.

O crepúsculo é um cofre de veludo,
onde teu perfil repousa,
no silêncio das horas...

Mística doçura envolve tudo...
Estremecem lágrimas no olhar das coisas...

E o crepúsculo, brandamente,
cobre de cinzas teu perfil,
no silêncio das horas...

Para todos os gostos...


René Worms (1869-1926)

Sociólogo francês nascido em Rennes em 1869. Auditor do Conselho de Estado, ensinou Direito em Caen (1897-1902) e no Instituto Comercial (1902). Ele fundou o Instituto Internacional de Sociologia. Suas obras filosóficas são: Précis de philosophie e Elements de philosophie scientifique (1891), um estudo sobre a moral de Espinoza, Morale de Spinoza (1892). Além de diversas obras sobre Direito e economia política, ele escreveu uma Philosophie des sciences sociales.
Fonte: Larousse du XXe. Siècle.
Mais aqui mesmo em René Worms

René Worms

Tarde,
As Transformaçoes do Direito

René Worms

A obra do Senhor Tarde sobre as transformações do direito[1] é um ensaio de sistemática jurídica. O zoólogo pode, ou examinar uma a uma as espécies, traçando a monografia de cada uma delas, ou seguir, no conjunto do reino animal, um ou mais órgãos, uma ou mais funções; do mesmo modo, o sociólogo pode, ou dar a descrição de uma nação isolada, ou ligar-se a uma ordem de fatos no conjunto das nações. O senhor Tarde escolheu a segunda via, e ligou-se primeiro à série de fatos que lhe são profissional e cientificamente os mais familiares: os fatos jurídicos. Seu livro, seguindo a própria ordem na qual são verdadeiramente desenvolvidas as matérias do direito, estuda sucessivamente a história do direito criminal, do processo, do regime de pessoas, do regime de bens, do direito das obrigações. Ele termina por dois capítulos sobre a doutrina do direito natural, e sobre as relações do direito e da sociologia. A idéia mestra desse livro é aquela que o autor já desenvolveu com talento em sua obra precedente: Les lois de l'imitation, e que ele próprio resumiu, aliás, nesta fórmula surpreendente: a diversidade, e não a unidade, está no coração das coisas. Ao contrário do senhor Spencer, (...) ele não crê em uma homogeneidade primitiva, da qual o heterogêneo teria saído ulteriormente pela diferenciação. Ele acredita, ao contrário, na originária heterogeneidade dos seres, na seqüência, mais ou menos aproximados uns dos outros pela imitação que faz o grande número das invenções de alguns. Também se ergue ele com força contra a teoria daqueles que crêem na identidade fundamental da evolução jurídica em todos os povos. Para ele, os processos desta evolução foram múltiplos e diversos. Cada grupo humano teve seu direito distinto na origem e não foi senão progressivamente que o direito se unificou, sob a ação de grupos que o haviam aperfeiçoado. Primitivamente, cada família formava um todo fechado, de onde nada transpirava para fora: tinha sua propriedade para si, ciumentamente fechada ao estrangeiro, seus contratos e seus delitos domésticos eram sancionados pela autoridade familial, tudo como teve ela, a família, suas tradições e seu culto. Progressivamente, a nação do direito amplia-se: admite-se que contrate, com os membros da família, aquele que não pertence a ela; em lugar vê-lo como um inimigo, — em relação ao qual tudo era primitivamente permitido, — aplicam-se a ele, em suas relações com os membros da família, as mesmas regras menos severas do direito penal familiar; mais tarde, depois que as famílias concluíram semelhantes pactos entre elas, admitiu-se beneficiar com o direito aquele que se situava fora dessas gentes fortemente hierarquizadas: o plebeu, o estrangeiro, o escravo; e terminou-se por ter a noção de uma justiça comum a toda humanidade, de um direito de todos os homens à liberdade, à equidade, à propriedade mesmo. Em suma, pois, foi o direito familial que, — em se generalizando, em se estendendo pouco a pouco por efeito da imitação e da simpatia, — engendrou o direito nacional, depois, o direito humano. Os historiadores da legislação romana objetarão, sem dúvida, que, segundo as idéias aceitas, não há propriamente como falar de direito no interior da gens, o pater familias, proprietário das pessoas e dos bens, regendo-a de acordo com sua vontade; e que, por conseqüência, é apenas nas relações interfamiliares que pôde nascer o direito. Todavia, a nosso sentir, o senhor Tarde poderia responder que esta concepção da gens não é absolutamente exata: mesmo na família romana antiga, havia um direito ao menos rudimentar: quando o pai, por exemplo, condenava seu filho à morte, ele não fazia senão uso do direito que tem o proprietário de destruir sua coisa, ele age como magistrado doméstico; e a prova é que ele busca o parecer de um consilium. Está-se, pois, autorizado a ver, no direito de família, a origem de todo direito.

Insistimos nesta idéia, porque ela nos pareceu a idéia mestra do livro de T. Lamentamos não dispor do espaço necessário para sinalar agora todos os detalhes curiosos, novos, sugestivos que pululam nesse livro. O autor indica com razão diferenças essenciais entre a história do direito grego e aquela do direito romano. Ele duvida muito de que o matriarcado haja, na origem, reinado em toda parte; mas é ir muito longe perguntar se “esse matriarcado tão famoso existiu”. Ele sinala, em nossa civilização francesa contemporânea, singulares sobrevivências de casamentos obrigatórios ou proibidos. A transformação da nobreza forneceu-lhe interessantes observações. A propriedade privada parece-lhe tão antiga quanto a propriedade coletiva; o comunismo de aldeia é posterior ao comunismo de família, o mir e a zadruga não remontam aos primeiros tempos da humanidade; as comunidades que se organizaram na Idade Média, as “comunas[2] juradas”, por exemplo, não foram senão que uma imitação dos conventos (capítulo IV). É falso que todos os povos tenham sido primeiro caçadores, depois pastores, depois agricultores. Conhecem-se povos onde a ordem desta evolução foi invertida, outros que jamais conheceram o estado pastoral. Não há mais uniformidade na evolução do direito de hereditariedade. Vê-se, com os progressos da civilização, recuar a idade da maioridade e elevar-se a duração da posse requerida para prescrever. Em matéria de obrigações, o contrato não é senão um derivado da declaração unilateral de vontade, que reaparece hoje e tende a limitar o domínio das obrigações contratuais. O direito natural não nasceu em Roma do comércio internacional, mas da filosofia, que generalizou, em as estendendo, as relações de todos os homens, as regras que governavam as relações dos cidadãos entre si. Jamais houve a fusão do jus naturale e do jus gentium. A idéia do direito natural encontra no senhor Tarde um contraditor encarniçado: ele declara-a pouco precisa e imprópria para guiar o legislador. Ao contrário, ele acentua, para a educação do jurista, a sociologia, da qual o direito não é, para ele, senão que um fragmento. Sem dúvida, como a linguagem (com a qual T. o compara muito engenhosamente) o direito “é o espelho integral da vida social”. Mas “é preciso estudá-lo como um simples ramo da sociologia, se quisermos compreendê-lo em sua realidade viva e completa”.

Eis algumas das concepções do autor. Elas podem, — nesta enumeração rápida que fizemos, — parecer um pouco chocantes e assaz mediocremente coerentes. Confessamos que, com a leitura do livro, um leitor superficial poderia ser tentado a fazer esta reprovação contra o autor mesmo. A idéia fundamental que tentamos destacar a toda hora, domina-o, todavia, e inspira-o em toda parte. A vivacidade, a originalidade do estilo vêm apenas tornar a leitura mais atraente e mais fácil.

O senhor Tarde acrescenta às suas idéias científicas algumas idéias de reformas que convocam a contradição. Ele persegue com seu ódio (aqui e em outras publicações) a instituição do júri: “o que existe de menos perfeito no mundo”, — escreve ele — “é o júri”. O direito à apelação não lhe parece menos contestável que contestado. Ele estima que “o processo ideal não implica necessariamente na existência de advogados e de meirinhos”. Ele não deposita maior confiança no dogma da dualidade das Câmaras, e encontra que não se deveria “poder fabricar leis, a não ser com a condição de apresentar, ao menos, as mesmas provas oficiais que se exigem dos juízes encarregados unicamente de aplicá-las”. Mesma independência de espírito à vista das teorias da ciência pura. No auge da corrente das idéias evolucionistas, e simpático, em suma, ao movimento geral que elas representam, T. guarda-se bem, no mínimo, de aceitá-las inteiramente feitas. Vimos mesmo que sua doutrina mestra faz antítese àquela de Spencer. Ele chega até a falar, em alguma parte, das “pretensas leis da evolução”, opondo-as às únicas verdadeiras leis, as “leis de causação”. E, todavia, à descoberta dessas leis de evolução, ele aporta o concurso mais eficaz, em destacando o critério que permite reconhecê-las. Para que a relação que une dois fenômenos sucessivos seja uma relação necessária, ou seja, uma lei, para que, em uma palavra, se possa afirmar que é nesse sentido que a evolução deveu se produzir, o que é preciso? É preciso — responde Tarde — que essa relação seja irreversível, critério que ele, mais de uma vez, aplicou com engenhosidade em seu livro. — Ei-nos aí bem adiantados, — responder-se-á; — a fórmula é evidente, e o que é evidente não nos ensina nada. — Mas as fórmulas da lógica aristotélica são evidentes, elas também, e é precisamente isso que faz sua força. Pode-se sustentar que elas não nos tenham ensinado nada? Quem sabe, — diremos nós, — se, no critério das leis de sucessão, não existe o gérmen de toda uma lógica nova, a lógica — não mais metafísica, à maneira de Hegel, — mas científica, da evolução?

Revue des livres. Tarde, Les Transformations du Droit, par René Worms. Extraído da Revue internationale de Sociologie, 1º. ano, n° 1, janeiro-fevereiro de 1893, p. 101-104. Disponível em Les Classiques des Sciences Sociales. Tradução: Maristela Bleggi Tomasini.
[1] Gabriel Tarde, Les Transformations du Droit. Paris, Félix Alcan (Bibliothèque de philosophie contemporaine), 1893 ; un vol. in-18, de 212 p.
[2] Chamavam-se comunas, na Idade Média, as cidades que haviam obtido por carta do Senhor um estatuto mais ou menos iberal, comportando uma certa autonomia, com jurisdição e finanças próprias. Larousse du XX Siècle, op. Cit. (N. da T.)

AS CARTAS VI

Carta de Francisco para Maria. Sem data.
Maria,
Afinal veio... Veio o conforto das tuas palavras. Ainda que imóveis, perfiladas, sem o calor da tua voz, elas curam certa porção pequena desta minha enorme saudade. Não posso ver-te. Essa impossibilidade é irremediável. Resigno-me. Para sua felicidade, a criatura humana, em face do irremediável, resigna-se facilmente ou dificilmente, conforme a intensidade do golpe. Eu me resigno também, não em toda extensão do ato. A resignação é o último estado da alma. Ela pertence aos sábios e aos filósofos. Mas, falo da resignação total, da resignação bondade, que esquece e perdoa. E na minha alma move-se um turbilhão de paixões diversas e contrárias...
Resigno-me, mas com rancor e imprecações surdas. Procuro reação contra essa má nota. Que fazer! Se isso é uma manifestação da alma selvagem e primitiva que carregamos e que, na menor oportunidade, põe-se em relevo... São resíduos da barbaria dos nossos ancestrais... Barbaria que a civilização, na sua ação constante de séculos, vem polindo, vem educando...
Depois, eu te amo muito para suportar uma separação de tal tamanho. É demais. Eu tenho medo das separações... A ausência habitua, e, com o hábito da ausência, fatalmente, vem o esquecimento... É uma lei natural, que A. France resumiu: Il n'est pas d’amour qui resiste à l’absence. E eu sou tão cético no amor... Descreio tanto das mulheres... E o amor também cansa... Mas, perdoa-me! Eu creio em ti, creio no teu amor, porque te amo e creio no meu amor! E tenho fé, para meu bem, de que o esquecimento nunca nos há de separar. Sei que o nosso amor não terá fim, como não teve meio, nem princípio. Sim, nem princípio. Amava-te antes de nascer. Eu te pressentia, ainda fora da vida. Tu foste a minha primeira emoção, não sei se sob a forma de um som, perfume ou flor. Mais tarde, encontrei-te, visível e tangível, na forma de uma mulher. E continuei a amar-te.

Falaste nos meus amigos, e com uma malícia fina sobre os seus desvelos. E não perdoaste também uns laivos de ironia ao dizer da minha crença na sua sinceridade... E recordaste, enfim, um gesto meu que nada significa diante da profundidade do meu amor... Foste injusta, mas, por um motivo que conservo misterioso, é perdoável a tua injustiça. O mais, oculto. Ressumbra uma queixa sutil no que dizes, também... Do mesmo, não tens razão. Bem sabes disso. E é por saber do contrário, que deixas transparecer, com toda finura do teu espírito, uma coisa que não existe... Amo-te assim...

Sinto-me fatigado e um pouco febril hoje. Incomoda-me, sobremodo, essa imobilidade obrigada em cima de uma cama. Escreve, sempre, ao teu Francisco.

AS CARTAS V

Poesia de Francisco para Maria remetida em agosto de 1923
Balada Triste

A tarde morre, lenta, lentamente,
Tudo envolvido numa carícia calma e branda.
Um bando de andorinhas no ar, ciranda.
Há sussurros de fonte e um perfume dolente,
Como o perfume de mulher adolescente,
Vem das árvores, vem dos campos...

A tarde morre, lenta, calma...
O que terá minh'alma?

Há pouco, o meu olhar, vago, indeciso,
perdido num deslumbramento
de mágica paisagem,
seguia o desvairado rodopiar
de uma folha levada pelo vento,
numa doida voragem...

Ela ora pelo chão rolava
ora os braços erguia para o ar...
E rodopiava aquela folha, rodopiava,
sempre levada na corrente...

E era tão meigo e comovente
o seu olhar...

Que tristeza me trouxe aquela folha!...

23 de outubro de 2008

Florbela Espanca (1894-1930)


Poetisa portuguesa de imensa capacidade dramática. Estudou letras e cursou direito.
Casou-se por três vezes e sempre deu sinais de desequilíbrio, o que em nada comprometeu a qualidade de sua poesia, sempre intimista e arrebatadora, forte, erótica, intensa e, ao menos para mim, de uma beleza particularmente tocante.
Florbela suicidou-se no dia em que completaria 36 anos.
A MINHA TRAGÉDIA
Tenho ódio à luz e raiva à claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh'alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!
Ó minha vã, inútil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida!...
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade!...
Eu não gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!
Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!...
PIOR VELHICE
Sou velha e triste. Nunca o alvorecer
Dum riso são andou na minha boca!
Gritando que me acudam, em voz rouca,
Eu, náufraga da Vida, ando a morrer!
A Vida, que ao nascer, enfeita e touca
De alvas rosas a fronte da mulher,
Na minha fronte mística de louca
Martírios só poisou a emurchecer!
E dizem que sou nova... A mocidade
Estará só, então, na nossa idade,
Ou está em nós e em nosso peito mora?!
Tenho a pior velhice, a que é mais triste,
Aquela onde nem sequer existe
Lembrança de ter sido nova... outrora...
PARA QUÊ?!
Tudo é vaidade neste mundo vão...
Tudo é tristeza, tudo é pó, é nada!
E mal desponta em nós a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!
Até o amor nos mente, essa canção
Que o nosso peito ri à gargalhada,
Flor que é nascida e logo desfolhada,
Pétalas que se pisam pelo chão!...
Beijos de amor! Pra quê?!... Tristes vaidades!
Sonhos que logo são realidades,
Que nos deixam a alma como morta!
Só neles acredita quem é louca!
Beijos de amor que vão de boca em boca,
Como pobres que vão de porta em porta!...

Herbert Spencer (1820-1903)

A grande superstição da política de outrora era o direito divino dos reis. A grande superstição da política de hoje é o direito divino dos parlamentos. O óleo de unção, parece, sem que se tome cuidado, desliza de uma única cabeça sobre aquelas de um grande número, consagrando a eles e aos seus decretos (p. 59)”.

Spencer, H. (1885), L'individu contre l'État (J. Gerschet, trad). Paris, Alcan, 1885, disponível na coleção Les Classisques de Sciences Sociales, sob a direção do Prof. Jean-Marie Tremblay, sociólogo, arquivo “.doc” com 85 pág.

18 de outubro de 2008

Fiodor Dostoievski

A intensidade da paixão e a complexidade dos temas e enredos deste escritor russo vêm fascinando gerações de leitores em todo mundo. Nascido em Moscou em 1821, era filho de um médico do Hospital dos Pobres. Cresce nesse ambiente até 1831, quando a família se muda para Tula, perto de Moscou. Em 1834 Fiodor e seu irmão mais velho vão para o Liceu e, três anos mais tarde, perdem a mãe. Dostoievski cursa daí a Escola de Engenharia Militar. Em 1839, seu pai é assassinado por servos, fato que causa forte comoção àquele que, em seguida, começa a projetar-se nos meios culturais e a freqüentar um círculo de socialistas.

Preso em 1849, Dostoievski viu-se condenado ao fuzilamento e, já sob a tensão dos preparativos, teve a pena comutada pelo czar. Lembranças desse episódio aparecem em sua obra. A sentença fora transformada em exílio na Sibéria, com trabalhos forçados, e Dostoievski termina preso na fortaleza de Omsk por quatro anos. Sofre então o primeiro ataque de epilepsia, doença que o persegue por anos e anos. Libertado em 1854, retoma a atividade literária.

Casa-se em 1857, pela primeira vez, com Maria Dmitrievna Issaiev, e depois com Anna Grigorievna Snitkina, a quem, premido pelas dívidas acumuladas, ele dita, o romance Igrok (O jogador), em 1866, obra de fundo autobiográfico escrita em apenas 26 dias para saldar dívidas com um editor.

Seus temas versam sobre denúncia social, exposição dos dramas humanos e dilemas existências de seus personagens, enfatizando sempre a angústia e as inquietudes que afligem personagens construídos com densidade e descritos pormenorizadamente em sua psicologia. Em 1855 já começara a reunir notas para as Zapiski iz mertvogo doma (1861, Recordações da casa dos mortos), magnífica obra que causa enorme repercussão, pois vem retratada ali a sua vida no presídio, contada em forma de romance, onde encontramos a culpa, o castigo, o crime, o mal em si, e os limites do ser humano submetido a um regime prisional assustador. Enrico Ferri disse dele que foi, para o romance psicológico, o que Dante foi para a poesia e Shakespeare, para o drama humano. O mesmo jurista, da obra Recordações da Casa dos Mortos, comentou que:

A própria forma da obra, o seu estilo, o lento evoluir da narração, as repetições, as digressões freqüentes atestam a sinceridade absoluta e a exatidão do narrador. Detido entre os forçados, condenados por delitos de direito comum, o grande artista sobrepôs-se pouco a pouco aos seus desgostos de homem refinado e idealista, venceu a desconfiança dos seus camaradas e pôde descrever a estranha gente que o rodeava com uma fidelidade e uma precisão de linhas admiráveis. Alguém que estudou os criminosos na prisão, após haver-se provido de suficientes noções de psicologia e de psicopatologia pode tornar a encontrar no livro de Dostoievski personagens já vistas.
E ainda:

Não se limita, todavia, a notar, com uma rara penetração, os sintomas da psicologia criminal. Sabe perscrutar todos os cantos do coração humano e como (já eu demonstrei essa verdade) no criminoso sobrevivem muitos traços e sentimentos normais ao naufrágio ou à atrofia congênita do sentido social, Dostoievski sabe definir esses traços e pô-los à luz.

Depois vem Prestuplenie i nakazanie (1866; Crime e castigo), cujo relato impactante impressiona até mesmo Tolstoi, fascinado com o destino de Raskolnikov, homicida perseguido pela memória de seu crime. O estudante paupérrimo resolve matar uma miserável e usurária que considerava inútil, visando com isso apossar-se de seus bens para salvar a si e a sua família. O ato criminoso, contudo, leva-o a outro assassinato de um inocente e Raskolnikov termina sem poder roubar nada, devorado pela dúvida e com os nervos destruídos em razão de conversas que tem com um comissário de polícia. Finalmente, acaba confessando o crime a uma prostituta que o converte, pregando-lhe o Evangelho e indicando-lhe o caminho do arrependimento e da redenção. Analisando em profundidade esta obra, Enrico Ferri observa:

Romance terrível e pungente, na anatomia da gangrena moral em Raskolnikov, tipo de criminoso louco, por obsessão homicida, e em Sonia, a doce jovem que a fome levou à prostituição, chega o escritor, por um artifício visível, por um declive muito natural, à crítica social, tanto mais ousada, tanto mais eloqüente quanto é subentendida. Deixa-nos, ao final de seu livro, a esperança de um renascimento moral em Raskolnikov, condenado, depois de sua confissão de assassinato, a sete anos de Sibéria, onde Sonia o acompanhou e onde, pela primeira vez, confessaram seu amor e sentiram-se regenerados por seu mútuo afeto, porque o coração de cada um deles continha uma inesgotável fonte de vida para o coração do outro.
Neste mesmo ano de 1866, Dostoievski escreveu O jogador, onde fala de sua paixão pelo jogo. Dois anos depois, aparece O idiota, outra obra impressionante que provoca perplexidade geral nos meios intelectuais. Michkin, o príncipe que encarna o idiota, é uma espécie de Dom Quixote do cristianismo que sente como puro ideal, verdadeira antítese de Raskolnikov. Se este acha que pode tudo, o príncipe é a vítima das circunstâncias, vencido pelas forças maléficas desencadeadas a seu redor.

Dostoievski morre em São Petersburgo, em 1881.

Toda literatura do século XX sofreu algo de sua influência, que se estende até mesmo a Nietzsche e de Freud. Lombroso referiu-se expressamente à obra Recordações da Casa dos Mortos, de onde extraio a descrição de Gazin:

Gazin era uma criatura terrível, causando em todos uma impressão apavorante. Acho impossível existir alguém mais hediondo e selvagem, apesar de haver visto Tobolsk o criminoso Kameniev, célebre por seus morticínios, e de haver visto mais tarde Sokolov, desertor do exército, tenebroso assassino. Nenhum deles me causou a impressão repugnante que me deu Gazin. Sempre que o vi, posteriormente, foi como se deparasse com uma aranha descomunal do tamanho de um homem. Era oriundo da Tartária e incrivelmente forte, o presidiário mais robusto de toda a prisão. Não muito alto, mas dum arcabouço de Hércules com uma cabeça desproporcionada, horripilante; caminhava meio vergado e olhava de baixo para cima, como o touro que vai marrar, com uns olhos esbugalhados.

Esplendores e Misérias das Cortesãs

A magistral capacidade descritiva deste autor me impressionou sempre, daí eu sentir vontade de compartilhar com os leitores passagens que considerei marcantes, em especial, quando ele retrata a delinqüência, seus autores e vítimas. Além de numerosos personagens do mundo criminal, no romance Esplendores e Misérias das Cortesãs, vol. IX, Balzac nos descreve o carro no qual eram transportados os prisioneiros:


Essa ignóbil carruagem de caixa amarela, montada sobre duas rodas e chapeada de ferro, é dividida em dois compartimentos. Há na frente um banquinho forrado de couro. É a parte livre do cesto de salada, destinada a um oficial de diligências e a um gendarme. Uma sólida grade de ferro separa, em toda a altura e largura do carro, essa espécie de cabriolé do segundo compartimento onde estão dois bancos de pau dispostos, como nos ônibus, aos lados da caixa e nos quais os presos vão sentados; eles são introduzidos aí por meio de um estribo e por uma portinhola sem postigo no fundo da carruagem. Para mais segurança, na previsão de algum acidente, a carruagem é seguida por um gendarme a cavalo, principalmente se conduz prisioneiros condenados à morte. Assim sendo, a evasão torna-se impossível.
Do mesmo romance, outra mulher extraída do mundo do crime, que se disfarçara de vendedora ambulante, é assim descrita:

Era uma vendedeira de hortaliça tão genuína que, se ao tempo houvesse fiscais, haviam de deixá-la circular sem lhe pedirem a licença, apesar da fisionomia sinistra que tresandava a crime. A cabeça, coberta com um lenço ordinário de algodão quadriculado em farrapos, eriçava-se de madeixas rebeldes que denunciavam uns cabelos semelhantes a cerdas de javali. O pescoço vermelho e engelhado causava horror, e o fichu não dissimulava inteiramente a pele curtida pelo sol, pela poeira e pela lama. O vestido parecia uma tapeçaria. Os sapatos faziam cada careta que pareciam estar troçando da cara tão rota como o vestido. E que corpete! Um emplastro não seria tão imundo... A dez passos, aquele trapo ambulante havia de bulir com o olfato das pessoas delicadas. As mãos nunca em sua vida tinham visto água. Aquela mulher ou vinha de alguma assembléia noturna de bruxas ou de algum asilo de mendicidade. Mas que olhar, que inteligência ousada, que vida reprimida quando os raios magnéticos de seus olhos e os de Jacques Collin se encontraram para trocar uma idéia!

Não é só isso. Balzac nos testemunha ainda o pensamento da época em que se aproximavam os conceitos do criminoso e do louco. Do mesmo romance:

O crime e a loucura têm suas parecenças. Ver os presos da Conciergerie no pátio ou ver doidos no jardim de uma casa de saúde é a mesma coisa. Presos e doidos passeiam evitando-se. Lançando uns aos outros olhares estranhos ou atrozes, conforme seus pensamentos, nunca sérios nem alegres; porque se conhecem ou se temem. A expectativa de uma condenação, os remorsos, as ansiedades, dão aos passeantes do pátio o ar inquieto e esgazeado dos doidos. Só os criminosos consumados têm um aprumo que semelha a tranqüilidade de uma vida honesta, a sinceridade de uma consciência pura.

17 de outubro de 2008

A Velha Malvada

Quem não conhece, nem que seja por fotografia, alguém que faça lembrar bastante esta figura? É como se já a tivéssemos em nosso imaginário e, ao ler, integrássemos sua imagem, que cria dimensão, forma, eu arriscaria a dizer, cria vida. Como exemplo do tipo de descrição literária em Balzac, temos, no romance A Prima Bette, vol. X da Comédia Humana, a passagem que segue:
Vitorino sentiu um íntimo terror, por assim dizer, ao defrontar-se com a horrorosa velha. Embora ricamente vestida, ela causava medo com os sinais de fria maldade que apresentava a sua cara chata, horrivelmente enrugada, branca e musculosa. Marat, se fosse mulher e estivesse naquela idade, teria sido, como a Sra. de Saint-Estève, uma imagem viva do terror. A velha sinistra refletia nos pequenos olhos claros a cupidez sanguinária dos tigres. Seu nariz esborrachado, cujas narinas enormes, de buracos ovais, sopravam o fogo do inferno, lembrava o bico das piores aves de rapina. Os longos pelos de barba, crescidos ao acaso em todos os buracos do rosto, denunciavam a virilidade de seus projetos. Quem quer que visse essa mulher pensaria que todos os pintores teriam errado na cara de Mefistófeles.

Balzac

Nunca vou esquecer do dia em que, finalmente, consegui adquirir a minha Comédia Humana, na edição antiga, anotada, traduzida com propriedade e lindamente encadernada. Hoje até me arrisco a ler algumas das novelas no original, o que só me leva a reafirmar a qualidade das traduções que aparecem nessa edição da saudosa Editora Globo.
Honoré de Balzac não é apenas o maior dos romancistas, mas ainda um verdadeiro historiador de costumes, documentando minuciosamente a sociedade e uma infinidade de tipos sociais retratados em mais de dois mil personagens. Nascido em Tours em 20 de maio de 1799, após estudos no colégio, resolve, em Paris, por volta de 1818, dedicar-se apenas à literatura, felizmente contrariando o desejo da família, que queria vê-lo advogado. No início de sua carreira publicou, sob os pseudônimos de Lord R'Hoone e de Horace de Saint-Aubin, uma série de romances menores, à moda dos folhetins. Depois, suas obras iriam suceder-se em velocidade espantosa num período de vinte anos. Paralelamente teve lá sua vida mundana, freqüentando salões, viajando bastante e procurando sempre, ainda que inutilmente, um meio de enriquecer.
Balzac conheceu o êxito, ainda que nunca a fortuna. Destacaram-se La Peau de chagrin (1831; A pele de onagro), Le Chef-d'oeuvre inconnu (1832; A obra-prima desconhecida), La Recherche de l'absolu (1832; A busca do absoluto), Eugénie Grandet (1833) e, sobretudo, Le Père Goriot (1834; O pai Goriot), onde começam a reaparecer personagens de livros anteriores, ou seja, Balzac visou conferir à sua obra uma unidade encadeada, que lhe dá caráter global, verdadeiro espelho da sociedade francesa da primeira metade do século XIX, antes, durante e depois da Revolução, o que explica o constante interesse do romancista pela burguesia nascente e pela aristocracia em franca decadência, descrevendo estruturas e instituições que servem de pano de fundo aos seus romances.
Obsessivo nos detalhes, seus personagens vivem e encarnam seres de carne e osso que nos são mostrados por dentro e por fora, em detalhes.
A monumental Comédia Humana, título escolhido por Balzac em 1842, começou a ser publicada em 17 volumes. Em 1845, para a segunda edição, foi adotado o plano que agrupou as obras em: (I) Estudos de costumes no século XIX: (a) cenas da vida privada; (b) cenas da vida de província; (c) cenas da vida parisiense; (d) cenas da vida política; (e) cenas da vida militar; (f) cenas da vida rural. (2) Estudos filosóficos. (3) Estudos analíticos.
Em 1850, já gravemente enfermo, Balzac se casou com Éveline Hanska, uma condessa russa, e, em 18 de agosto desse mesmo ano, morre em Paris. A edição definitiva da Comédia humana, que saiu postumamente entre 1869 e 1876, constava de 137 romances, cinqüenta dos quais tinham ficado incompletos.

Multidões Místicas e Delinqüentes


Este pequeno volume de apenas 64 páginas foi escrito por Ingenieros. Edições America Latina, Buenos Aires, sem data, Bibliotheca Scientifico Philosophica. Trata-se de uma análise dos tipos psicológicos na novela naturalista e como esse gênero literário teria sido fiel, em suas descrições, à psicologia das multidões. Ali é citado, em especial, um romance intitulado Hacia la Justicia, de autoria de um médico, cujo nome Ingenieros se recusa a declinar. Um dos personagens se chama Germano e trata-se de um meneur, um lider que vai encarnar no enredo um papel de repercussão social. Chama a atençao a confiança depositada no atavismo, na hereditariedade, e ainda a condenação do "amor ilegal", supostamente, aquele vivido fora do casamento.
Observe-se:
Germano, como encarnação do "meneur", é um típo psicológico acertado. Um indivíduo é a resultante de sua hereditariedade psicológica e das sugestões que recebe constantemente do meio em que vive, da sua educação, a hereditariedade de Germano é matriz perfeita para engendrar a rebeldia. Seu pai é Valverde, sujeito sem senso moral, que vive resvalando a cada passo no pântano dos delitos. Sua mãe? Mistério. O terrorista deveria ser filho de um amor ilegal, senão de um capricho fugaz, em alguma orgia de prostíbulo. Sobre esta matéria prima vem a educação funesta. Inicia-se ao acaso, como grão de areia que o destino desprende do pico nevado de um cimo; e assim roda pela falda esfarpada da vida, entre a educação de um colégio de jesuítas, que lhe dá repugnâncias, vendo infâmias, sugestionando-se com leituras que fanatizam, até que recebe o testamento de seu pai, que precipita a sua mente por caminhos de indignaçao e vingança. E vai rodando costa abaixo, adquirindo contornos de avalanche, que arraza, ao passar, os sentimentos de solidariedade social, e engendra um anarquismo que não é piedade pelo humilde, senão rancor contra o poderoso; que não é lamento e sim alarido, precursor de uma derrubada apocalíptica.

Sentença de 1833

Seria esta a reprodução supostamente autêntica de uma sentença prolatada em 1833, no dia 15 de outubro, pelo MM. Juiz Manoel Fernandes dos Santos, em Vila de Porto da Folha, Sergipe. A peça já andou pela internet e me lembro de tê-la visto reproduzida em um jornal do qual tinha o recorte guardado numa agenda. Seja como for...

SENTENÇA JUDICIAL
O adjunto de promotor público, representando contra o cabra Manoel Duda, porque no dia 11 do mês de Nossa Senhora Sant'Ana quando a mulher do Xico Bento ia para a fonte, já perto dela, o supracitado cabra que estava de tocaia em uma moita de mato , sahiu della de supetão e fez proposta a dita mulher, por quem queria para coisa que não se pode trazer a lume, e como ella se recuzasse, o dito cabra abrafolou-se dela, deitou-a no chão, deixando as encomendas della de fora e ao Deus dará. Elle não conseguiu matrimônio porque ella gritou e veio em assucare della Nocreto Correia e Norberto Barbosa, que prenderam o cujo em flagrante. Dizem as leises que duas testemunhas que assistam a qualquer naufrágio do sucesso faz prova.
CONSIDERO que o cabra Manoel Duda agrediu a mulher de Xico Bento para conxambrar com ella e fazer chumbregâncias, coisas que só marido della competia conxambrar, porque casados pelo regime da Santa Igreja Cathólica Romana; que o cabra Manoel Duda é um suplicante deboxado que nunca soube respeitar as famílias de suas vizinhas, tanto que quiz também fazer conxambranas com a Quitéria e Clarinha, moças donzellas; que Manoel duda é um sujetio perigoso e que não tiver uma cousa que atenue a perigança dele, amanhan está metendo medo até nos homens.
CONDENO o cabra Manoel Duda, pelo malifício que fez à mulher do Xico Bento, a ser CAPADO, capadura que deverá ser feita a MACETE.
A execução desta peça deverá ser feita na cadeia desta Villa. Nomeio carrasco o carcereiro. Cumpra-se e apregue-se editais nos lugares públicos.
Manoel Fernandes dos Santos
Juiz de Direito Vila de Porto da Folha (Sergipe) 15 de outubro de 1833

14 de outubro de 2008

Ainda as Ilusões

"Nem o sol nem a morte, diz La Rochefoucauld, podem ser olhados de frente. Dir-se-ia que é o mesmo com a verdade, — como o sol e a morte, — e que sua fascinação não poderia ser afrontada sem perigo social, senão sempre sem perigo individual. Dir-se-ia que há uma certa quantidade de ilusões, – variável conforme tempos e lugares, – que é necessária a uma sociedade para manter-se em seu estado normal, e que deve ser, custe o que custar, sustentada nela por uma emissão constante de predicações, de argumentações, de artigos de jornais, de lições, de asserções de todo gênero, quer sejam corajosamente mentirosas, quer sejam simplesmente errôneas (e, neste último caso, provindas em parte de imposturas anteriores, o que é, talvez, o caso das religiões)".

Observações:Este trecho integra a obra A Criminalidade Comparada, e nele há uma nota de rodapé do autor vinculada à palavra “ilusões”. Quando traduzi, levei algum tempo refletindo sobre as revelações de cunho íntimo, ali ponderadas por G. Tarde. Guardei bem a passagem e constantemente volto a ela, leio, releio, examino se traduzi corretamente, tudo porque me parece instigante ver, com tanta clareza, esse traço solitário do autor. Diz assim a nota, a propósitos da tais ilusões essenciais à manutenção da sociedade em seu estado normal:

"Em toda parte e sempre, a vitória é dos otimistas, dos povos ou dos indivíduos que acreditam a priori que a verdade é bela e que a vida é boa. Toda a Antigüidade clássica teve deuses sorridentes; o próprio Egito, a mais grave das nações antigas, teve fé no triunfo final da luz sobre as trevas e no reino do bem. Ora, para assegurar-se de que o otimismo é um erro, é suficiente, parece-me, imaginar a duração infinita dos tempos passados. A vida universal é uma busca impaciente. Mas o que é um objetivo sempre perseguido e jamais alcançado, após quase uma eternidade de tentativas, senão uma quimera? E o que é uma perseguição sem objetivo, a não ser a pior das maldições? A própria duração do universo atesta, pois, a impossibilidade de seu feliz desfecho. Dizer que o mundo é um grupo imenso e uma eterna série de evoluções seguidas, invariavelmente, de dissoluções é dizer que tudo não é, em toda existência, senão esperança e decepção, fluxo incessante de esperança seguido de um inevitável refluxo. E é muito tarde para supor que surgisse jamais, enfim, em meio a tudo isso, algum esforço vitorioso, algum elã não enganoso, alguma vontade não decepcionante!"

12 de outubro de 2008

As Bases da Autoridade

Há um minimum de prestígio que um governo não pode se dispensar, e que se fundamenta, primeiro, sobre superstições e lendas populares, iluminuras do direito divino, erro fundamental um dia e vital das sociedades. Quando ele se desvanece, é preciso procurar outras bases para a autoridade, mas são sempre ficções, apenas mais artificiais, ou seja, mais racionais, e mais conscientemente fabricadas. São necessários historiógrafos oficiais para acomodar a História, são necessários jornalistas para desnaturar os fatos atuais, são necessários múltiplos atores para representar com sucesso a vasta comédia do sufrágio, seja restrito, seja universal, e fazer-se dar, através da opinião, as ordens ou os elogios que se lhes são ditados. 
Gabriel Tarde 
Observação: Destaquei esta passagem como citação de abertura da tradução de A Criminalidade Comparada. A parte final do livro é dedicada a um estudo do autor sobre a necessidade de ilusão nas sociedades, ilusão que ele diferencia bem da mentira, esta última, nociva e estimulante da criminalidade.

11 de outubro de 2008

Leis

O coração humano nasce povoado de desejos tão incoerentes quanto suas idéias; fazer um mundo desse caos, transformar, seja no seio do indivíduo, seja, por conseguinte, no do grupo social, esta incoerência em mútua assistência, eis o problema que se colocou aos primeiros legisladores confundidos freqüentemente com fundadores de cultos. Ele é resolvido por uma lei reputada divina, Lei de Moisés, de Zoroastro, de Manou, de Maomé. Mas, após um certo tempo, novas necessidades, novos comandos íntimos engendrados pelas invenções civilizadoras, pelos contatos com povos estrangeiros, como ocorreu com Israel e com o Islã, tornam difícil conciliá-los com os comandos legais. Então, esforçam-se os jurisconsultos de um lado, os casuístas de outro, por dissimular as dissonâncias ou absorvê-las numa harmonia superior.
Gabriel Tarde

7 de outubro de 2008

Ingenieros e seu Tratado sobre o Amor

Mexendo em meus arquivos informatizados, encontrei uma pasta do tempo em trabalhava com edição de livros. Contém diversas coisas sobre Ingenieros, de quem se estava por relançar a Criminologia. Dentre as anotações virtuais, todavia, que abrangem sua vida e obra, deparei-me com arquivos que trazem anotações sobre uma obra muito interessante intitulada ESTUDOS SOBRE O AMOR (Tratado del Amor). São passagens que, acredito, podem até surpreender os leitores, pelo contraste de comportamentos que variam de uma época para outra e, também, pelas observações que permanecem válidas. Desde já aviso que a referência que aparece é INGENIEROS, José. ESTUDOS SOBRE O AMOR ― “Tratado del amor”, Ed. Cultura Moderna. São Paulo, (124 p.). Sem data.

Do medo de amar

O desejo traz implícito um juízo de possibilidade; a esperança, ao contrário, é um cálculo subconsciente de probabilidades. A mente se entretém em medir as perfeições que atribui ao ser amado, comparando-as com os próprios méritos; merece-o? não o merece? São as perguntas que se formulam com ansiedade. É esse o momento mais fervoroso, bastando o menor grau de esperança para o aparecimento do amor. Não importa que ela falte depois de poucos dias; desde que o amor nasceu, persiste. Nas pessoas que tem necessidade de amar é muito fácil o aparecimento da esperança, sobretudo se não tiverem contrastes que viessem diminuir a sua fé otimista. Ao invés, os incapazes de amar, cheios de medo, desconfiados, são mais refratários ao aparecimento da esperança e só chegam a possuí-la depois de dificuldades que iniciem o processo da cristalização. De todas as maneiras, enquanto se define a esperança, o amor súbito nasce; se não se define, o medo de amar inicia a luta terrível entre a dúvida e a esperança, que se resolve pela intoxicação sentimental (p. 46 e 47).
A qualquer momento, o medo de amar pode vencer o desejo, e, então, o amor não nasce, morre em embrião. Nesses infelizes o desejo é vacilante; hoje avança, amanhã retrocede. Por momentos a imaginação voa, mas os sentidos não caminham. Homens apaixonados com a cabeça, fraquejam e se detêm quando a sua vitória está mais próxima; não se atrevem a amar completamente, depois de haver principiado a amar. Falta-lhes a confiança em si, não sabem com certeza qual é o seu ideal. Explica-se, na jovem tenra, uma certa inquietude da sensibilidade por falta de experiência; a de quinze anos não pode amar com tanta plenitude como a de trinta. A falta de ideal e a ausência de critério crítico faz supor à noviça que o primeiro desejo fugaz é uma paixão e crê que cada enamorado encarna o seu ideal; em tudo isto não há amor, senão artifício. Pouco a pouco, à medida que os sentidos lhes anunciam o artifício, sua imaginação tremerá com desconfiança; amará com menos pressa, porém, com mais ardor; o temor lhe impedirá de dar o sim, enquanto não estiver segura do que faz; será menos risonha, porém, mais apaixonada (p. 53 e 54).
Dos desenganos
O desejo pouco duradouro é aquele que correspondeu a um erro do ideal; na pessoa que se equivoca, a decepção sobrevém em seguida à satisfação do desejo. Isso ocorre constantemente com homens e mulheres, cujos atrativos físicos são superiores às qualidades de seu espírito; despertam facilmente um brusco desejo que, por sua veemência, pode parecer concordância com o ideal; delibação dos sentidos, reconsidera e adverte que não é esse o seu ideal, que se equivocou. Quantos homens se afastam da mulher amada ao ouvir palavras tolas de sua linda boca, como se fora uma espada de chumbo saída de uma bainha de pedrarias! Este é o maior consolo das pouco favorecidas, que cuidam mais do gênio e da graça, suas armas naturais; as belas soem descuidá-las e vivem pavoneando-se, como se já possuíssem todos os talismãs para cativar corações. As belas despertam mais desejos no homem, mas são menos amadas; o desejo farta mais depressa que o sentimento. E é por essa razão que as feias, quando chegam a ser amadas, não duvidam do rifão corrente que não necessitamos repetir. A flechada mais duradoura não é, geralmente, a que entra pelos olhos, mas a que se insinua pela inteligência ou pelo coração (p. 66 e 67).

3 de outubro de 2008

Outro Canto

Prateleira das publicações pouco ortodoxas...

A Clarabóia do Tempo

A clarabóia do tempo
Muda o evento,
Muda o papel,
Muda o valor,
Muda-nos a nós
Que perdemos as carnes aos poucos,
Viramos espírito, assombro, assombração, susto...
Às vezes viramos espantalhos,
Patéticos espantalhos éticos,
Fiscais da novidade,
Censores até da terra que nos há de sepultar, assimilar, reintegrar.

O Tempo altera o branco da pele que amarela,
Resseca a tez,
Esvazia os ossos,
E a boca dos dentes,
Carcome as ilusões, os amores, as esperanças.
O Tempo corrompe os perfumes como azeda as almas
Que recendem a vinagre na velhice.
Às vezes, o tempo finge que pára também,
Mas não adianta dizer amém...
Não há reza que o dilate,
Não há força que o modere, apazigúe ou abrande,
Porque o tempo é grande como a imensidade
Com que se medem os pesares, as devoções e as coisas
Que nunca aconteceram jamais.

É. Nada pode com ele,
Nada o detém,
Nada o corrompe,
Salvo o espaço vazio,
Onde só cabe a poesia...
Tempo e poesia constrangem-se mutuamente
Como amantes que se desconheceram,
Amantes que o tempo apartou, estranhou,
Amantes que se olham de soslaio, embaraçados,
Quando dividem espaços,
Porque o tempo e o amor são feitos de quandos.

Mas tudo aquilo que o tempo leva,
A poesia devolve, eterniza, às vezes valoriza e esconde.

O Tempo torna lixo o que foi luxo.
Depois, o lixo vira poesia,
E vem parar na parede de uma exposição...

E aqui tu me vês.
Pensas que me espias,
Mas sou eu quem — por detrás do tempo — daqui me rio cínica,
De dentro dessa clarabóia mágica,
Olho embaçado, velho, vazado,
Olho sem luz,
Aquário de peixes mortos, boiando solenes em procissão,
Menina do olho da clarabóia do tempo,
Olho que te vê de dentro,
Bem no centro onde estão todas as coisas
Que se extraviaram de ti,
Coisas que encontras só
Quando já é tarde demais,
Coisas que agora já não te valem nada,
Coisas que agora já não te servem pra nada,
Coisas que se doem de saudade e de imensidade,
Coisas que ninguém mais quer,
Destino, sina, sorte, fatalidade.

TAINE

Considerado uma autoridade intelectual no seu tempo, o notável Hippolyte-Adolphe Taine (1828-1893) aos trinta anos já era famoso com seu ensaio sobre Tito Lívio (1855) premiado pela Académie Française, para a qual seria eleito em 1878. Professor de estética e história da arte na Escola de Belas-Artes, publicou Philosophie de l'art (1865), analisando a evolução artística com base na fisiologia e na sociologia. Escreveu sobre autores como Stendhal e Balzac, e apontou este último como fundador de uma literatura sociológica. Dentre suas demais obras destacam-se ainda uma notável Histoire de la littérature anglaise (1863) e os dois volumes de l'intelligence (1871), em que se voltou para o estudo da psicologia, que o atraíra desde jovem. Se não me engano, – diz Taine nesta obra, – entende-se hoje por inteligência o que, em outro tempo, compreendia-se por entendimento ou intelecto, a saber, a faculdade de conhecer; ao menos eu tomei a palavra neste sentido (TAINE, H. La Inteligencia, Tomo I, Ediorial Albatros, Buenos Aires, 1944).
Taine escreveu a carta a Lombroso publicada na edição Francesa de O Homem Delinqüente. Um documento histórico que revela aspectos hoje muito discutíveis, disponível neste blog.

Apresentação

Apresentação da edição brasileira de O HOMEM DELINQÜENTE pelo Professor Ms. Ney Fayet de Souza Júnior
Pode-se, em primeiras linhas, sem qualquer desacerto, afirmar que CESAR LOMBROSO é o responsável pela consolidação de um dos mais importantes paradigmas científicos (em matéria criminal) de todos os tempos.

Trata-se da abordagem do delinqüente como um ser dotado de especificidade (com características próprias, que poderiam ser, a partir de um estudo sistemático, agrupadas, fornecendo ao estudioso da ciência penal importantíssimas fontes de compreensão da dinâmica da criminalidade), contrariando frontalmente os postulados da Escola Clássica.

Desse modo, a filosofia lombrosiana, que se baseava no método positivo, estava bussolada pela necessária modificação das formas através das quais se interpretava a multifacetária questão da criminalidade (notadamente no que se vinculava à imprestabilidade dos métodos utilizados no combate à delinqüência), revolucionando-as de acordo com novas concepções científicas, muitas das quais presentes até os dias que correm.

Em breve excursus sobre a sua vida, deve-se indicar que, como médico militar, conheceu as prisões e teve os primeiros contatos com os delinqüentes. Posteriormente, foi médico dos criminosos alienados, tendo sido, em Pesaro, médico do Manicômio Judiciário. Nesse período, dá início ao processus de autópsia em grandes criminosos, denominados de grassatori, desenvolvendo pesquisas médico-científicas, cujo resultado encerra uma verdadeira doutrina, na qual se apresentam importantes análises sobre a criminalidade. Juntamente com dois outros italianos (ENRICO FERRI e RAFAELE GAROFALO), LOMBROSO contribuiu, nos fins do século XIX, para a fundação da Criminologia, ciência que, desde então, conheceu um extraordinário desenvolvimento.

A thesi lombrosiana, entretanto, encerrou, ao longo dos tempos, enormes polêmicas científicas, destacando a doutrina criminológica, os exageros, as hipóteses fantásticas e os erros que foram produzidos em suas pesquisas. Porém, deve-se a ele o mérito de ter iniciado o estudo do delinqüente. Daí porque afirmou GROSS que, se LOMBROSO não tivesse existido, nós teríamos uma lacuna na evolução lógica das idéias do pensamento da humanidade.

Sem dúvida, a história das ciências é mais rica em erros que em verdades, mas para o desenvolvimento do espírito humano um erro fecundo tem um valor infinitamente maior que um fato estéril (VERWORN).

De qualquer sorte, a obra de LOMBROSO é daquelas que permanecem, e isto é extremamente importante para se afirmar o valor de sua produção científica. Devemos partir de LOMBROSO, sempre que quisermos estudar o criminoso em sua dimensão antropológica, da mesma forma que devemos partir de MARX ou de PLATÃO, se quisermos estudar a dinâmica das relações sociais ou a filosofia, respectivamente. Conhecer, pois, em sua plenitude, a obra de CÉSAR LOMBROSO é a tarefa que se nos cabe, especialmente àqueles que dedicam interesse às ciências criminais. Em um mundo que, mais e mais, convive com intérpretes da criminalidade, que sugerem soluções novas — mágicas e nefelibáticas — para o seu enfrentamento, eu posso dizer: prefiro me obsoletar com LOMBROSO do que me modernizar com qualquer outro.

Por tudo isso, o Editor, Sr. RICARDO LENZ, está de parabéns, como também o estão os tradutores, Drs. OSCAR ANTONIO CORBO e MARISTELA TOMASINI, pelo magnífico trabalho realizado.

Prof. Ms. Ney Fayet de Souza Júnior
Professor de Direito Penal.

2 de outubro de 2008

O Homem Delinqüente


Edição comentada e anotada feita a partir da tradução da 2ª edição francesa de L'Homme criminel, Ricardo Lenz, Porto Alegre, 2001, 560 pág. A edição francesa é aberta com uma carta de Taine dirigida a Lombroso, a propósito de seus estudos sobre Antropologia Criminal. Taine desfrutava, à época, de um prestígio inquestionável. Era reconhecido como uma das maiores autoridades de seu tempo nos meios acadêmicos. Hoje, ao lermos conteúdos como este, nos perguntamos qual era, afinal, a racionalidade que orientava os estudiosos de então e vemos quão fascinante pode ser conhecer e comparar suas produções intelectuais, científicas e artísticas. Eis a carta:
Carta de Taine a Lombroso
Muito honrado Senhor,

Sobre o método que vós seguis e sobre os resultados que vós obtivestes, não tenho, como todos os amantes da verdade e da ciência, senão felicitações a vos oferecer. Vós abristes uma via nova, e sobre vossos passos as descobertas se multiplicaram. Que os fatos morais, como os fatos físicos, tenham suas condições precisas, isso é agora evidente para todo homem de boa fé que fez os estudos necessários. Nada de mais útil que o conhecimento dessas condições e dos indícios que as sinalam. Mas vejo com algum pesar o abuso que muitas pessoas mal informadas fazem de um princípio tão certo. Como vós, eu penso que determinismo e responsabilidade são dois termos perfeitamente conciliáveis. Bem mais: eu penso que é preciso ser determinista para compreender as conseqüências da responsabilidade. As duas grandes escolas de moral desse mundo são os estóicos, na Antigüidade, e os puritanos, nos tempos modernos; os estóicos, durante cinco séculos, os puritanos, durante três séculos, estudaram, com uma atenção apaixonada e uma precisão extraordinária, a questão do bem e do mal moral. Jamais houve consciência tão rígida e tão delicada. E todavia estóicos e puritanos eram, não apenas deterministas, mas ainda adeptos da predestinação. Eu estou, pois, muito longe de entrar nas idéias humanitárias de nossos juristas. Se eu fosse jurista, ou legislador, ou jurado, não teria qualquer indulgência para com os assassinos, os ladrões, o criminoso nato, o louco moral. Quando, ao longo da vida, na organização intelectual, moral, afetiva do delinqüente, o impulso criminal é isolado, acidental e, provavelmente, passageiro, pode-se, e mesmo deve-se, perdoar. Mas quanto mais esse impulso é ligado à trama inteira das idéias e dos sentimentos, mais o homem é culpado e deve ser punido. Vós nos haveis mostrado esses orangotangos lúbricos, ferozes, de face humana. Certamente, sendo tais, não poderiam agir de outro modo senão como o fazem. Se eles violentam, se eles roubam, se eles matam, é em virtude de seu natural e de seu passado, infalivelmente. Razão a mais para destruí-los, logo que se constata que são e permanecerão sendo sempre orangotangos. Nesse caso, não faço qualquer objeção contra a pena de morte, se a sociedade julgá-la proveitosa.


Paris, 12 de abril de 1887.
H. Taine

1 de outubro de 2008

Amigos & Companheiros

Traças, Ácaros & Cia


O Homem Medíocre

Obra que tornou Ingenieros conhecido entre iniciados e profanos, a edição em português que tenho é a 9ª, da Livraria Tupã Editora, Rio de Janeiro, sem data. Logo abaixo do título aparece a seguinte observação: ENSAIO MORAL sobre a mediocridade humana ― como causa de rotina, hipocrisia e domesticidade, nas sociedades contemporâneas, com úteis reflexões de IDEALISMO EXPERIMENTAL ― para que os jovens procurem evitá-la, educando livremente o seu engenho, a sua virtude e a sua dignidade.

Algumas passagens que destaquei:

As ilusões têm tanto valor para dirigir a conduta, como as verdades mais exatas; podem valer mais do que elas, quando intensamente pensadas ou sentidas (pág. 17).

Nada se deve esperar dos homens que entram na vida sem se entusiasmarem por algum ideal; aos que nunca foram jovens, parece desvairado todo sonho. Não se nasce jovem; é preciso adquirir a juventude. E, sem ideal, não é possível adquiri-la (pág. 27).

Todo individualismo, como atitude, é uma revolta contra os dogmas e os valores falsos, respeitados pelas mediocracias; revela energias ansiosas de expansão, contidas por mil obstáculos opostos pelo espírito gregário (pág. 35).

A imaginação é mãe de toda originalidade; deformando o real, no sentido de sua perfeição, ela cria os ideais, dando-lhes impulso, com o ilusório sentimento da liberdade; o livre-arbítrio é o erro útil para a gestação dos ideais (pág. 17).