26 de outubro de 2008

AS CARTAS VI

Carta de Francisco para Maria. Sem data.
Maria,
Afinal veio... Veio o conforto das tuas palavras. Ainda que imóveis, perfiladas, sem o calor da tua voz, elas curam certa porção pequena desta minha enorme saudade. Não posso ver-te. Essa impossibilidade é irremediável. Resigno-me. Para sua felicidade, a criatura humana, em face do irremediável, resigna-se facilmente ou dificilmente, conforme a intensidade do golpe. Eu me resigno também, não em toda extensão do ato. A resignação é o último estado da alma. Ela pertence aos sábios e aos filósofos. Mas, falo da resignação total, da resignação bondade, que esquece e perdoa. E na minha alma move-se um turbilhão de paixões diversas e contrárias...
Resigno-me, mas com rancor e imprecações surdas. Procuro reação contra essa má nota. Que fazer! Se isso é uma manifestação da alma selvagem e primitiva que carregamos e que, na menor oportunidade, põe-se em relevo... São resíduos da barbaria dos nossos ancestrais... Barbaria que a civilização, na sua ação constante de séculos, vem polindo, vem educando...
Depois, eu te amo muito para suportar uma separação de tal tamanho. É demais. Eu tenho medo das separações... A ausência habitua, e, com o hábito da ausência, fatalmente, vem o esquecimento... É uma lei natural, que A. France resumiu: Il n'est pas d’amour qui resiste à l’absence. E eu sou tão cético no amor... Descreio tanto das mulheres... E o amor também cansa... Mas, perdoa-me! Eu creio em ti, creio no teu amor, porque te amo e creio no meu amor! E tenho fé, para meu bem, de que o esquecimento nunca nos há de separar. Sei que o nosso amor não terá fim, como não teve meio, nem princípio. Sim, nem princípio. Amava-te antes de nascer. Eu te pressentia, ainda fora da vida. Tu foste a minha primeira emoção, não sei se sob a forma de um som, perfume ou flor. Mais tarde, encontrei-te, visível e tangível, na forma de uma mulher. E continuei a amar-te.

Falaste nos meus amigos, e com uma malícia fina sobre os seus desvelos. E não perdoaste também uns laivos de ironia ao dizer da minha crença na sua sinceridade... E recordaste, enfim, um gesto meu que nada significa diante da profundidade do meu amor... Foste injusta, mas, por um motivo que conservo misterioso, é perdoável a tua injustiça. O mais, oculto. Ressumbra uma queixa sutil no que dizes, também... Do mesmo, não tens razão. Bem sabes disso. E é por saber do contrário, que deixas transparecer, com toda finura do teu espírito, uma coisa que não existe... Amo-te assim...

Sinto-me fatigado e um pouco febril hoje. Incomoda-me, sobremodo, essa imobilidade obrigada em cima de uma cama. Escreve, sempre, ao teu Francisco.