14 de outubro de 2008

Ainda as Ilusões

"Nem o sol nem a morte, diz La Rochefoucauld, podem ser olhados de frente. Dir-se-ia que é o mesmo com a verdade, — como o sol e a morte, — e que sua fascinação não poderia ser afrontada sem perigo social, senão sempre sem perigo individual. Dir-se-ia que há uma certa quantidade de ilusões, – variável conforme tempos e lugares, – que é necessária a uma sociedade para manter-se em seu estado normal, e que deve ser, custe o que custar, sustentada nela por uma emissão constante de predicações, de argumentações, de artigos de jornais, de lições, de asserções de todo gênero, quer sejam corajosamente mentirosas, quer sejam simplesmente errôneas (e, neste último caso, provindas em parte de imposturas anteriores, o que é, talvez, o caso das religiões)".

Observações:Este trecho integra a obra A Criminalidade Comparada, e nele há uma nota de rodapé do autor vinculada à palavra “ilusões”. Quando traduzi, levei algum tempo refletindo sobre as revelações de cunho íntimo, ali ponderadas por G. Tarde. Guardei bem a passagem e constantemente volto a ela, leio, releio, examino se traduzi corretamente, tudo porque me parece instigante ver, com tanta clareza, esse traço solitário do autor. Diz assim a nota, a propósitos da tais ilusões essenciais à manutenção da sociedade em seu estado normal:

"Em toda parte e sempre, a vitória é dos otimistas, dos povos ou dos indivíduos que acreditam a priori que a verdade é bela e que a vida é boa. Toda a Antigüidade clássica teve deuses sorridentes; o próprio Egito, a mais grave das nações antigas, teve fé no triunfo final da luz sobre as trevas e no reino do bem. Ora, para assegurar-se de que o otimismo é um erro, é suficiente, parece-me, imaginar a duração infinita dos tempos passados. A vida universal é uma busca impaciente. Mas o que é um objetivo sempre perseguido e jamais alcançado, após quase uma eternidade de tentativas, senão uma quimera? E o que é uma perseguição sem objetivo, a não ser a pior das maldições? A própria duração do universo atesta, pois, a impossibilidade de seu feliz desfecho. Dizer que o mundo é um grupo imenso e uma eterna série de evoluções seguidas, invariavelmente, de dissoluções é dizer que tudo não é, em toda existência, senão esperança e decepção, fluxo incessante de esperança seguido de um inevitável refluxo. E é muito tarde para supor que surgisse jamais, enfim, em meio a tudo isso, algum esforço vitorioso, algum elã não enganoso, alguma vontade não decepcionante!"