2 de outubro de 2008

O Homem Delinqüente


Edição comentada e anotada feita a partir da tradução da 2ª edição francesa de L'Homme criminel, Ricardo Lenz, Porto Alegre, 2001, 560 pág. A edição francesa é aberta com uma carta de Taine dirigida a Lombroso, a propósito de seus estudos sobre Antropologia Criminal. Taine desfrutava, à época, de um prestígio inquestionável. Era reconhecido como uma das maiores autoridades de seu tempo nos meios acadêmicos. Hoje, ao lermos conteúdos como este, nos perguntamos qual era, afinal, a racionalidade que orientava os estudiosos de então e vemos quão fascinante pode ser conhecer e comparar suas produções intelectuais, científicas e artísticas. Eis a carta:
Carta de Taine a Lombroso
Muito honrado Senhor,

Sobre o método que vós seguis e sobre os resultados que vós obtivestes, não tenho, como todos os amantes da verdade e da ciência, senão felicitações a vos oferecer. Vós abristes uma via nova, e sobre vossos passos as descobertas se multiplicaram. Que os fatos morais, como os fatos físicos, tenham suas condições precisas, isso é agora evidente para todo homem de boa fé que fez os estudos necessários. Nada de mais útil que o conhecimento dessas condições e dos indícios que as sinalam. Mas vejo com algum pesar o abuso que muitas pessoas mal informadas fazem de um princípio tão certo. Como vós, eu penso que determinismo e responsabilidade são dois termos perfeitamente conciliáveis. Bem mais: eu penso que é preciso ser determinista para compreender as conseqüências da responsabilidade. As duas grandes escolas de moral desse mundo são os estóicos, na Antigüidade, e os puritanos, nos tempos modernos; os estóicos, durante cinco séculos, os puritanos, durante três séculos, estudaram, com uma atenção apaixonada e uma precisão extraordinária, a questão do bem e do mal moral. Jamais houve consciência tão rígida e tão delicada. E todavia estóicos e puritanos eram, não apenas deterministas, mas ainda adeptos da predestinação. Eu estou, pois, muito longe de entrar nas idéias humanitárias de nossos juristas. Se eu fosse jurista, ou legislador, ou jurado, não teria qualquer indulgência para com os assassinos, os ladrões, o criminoso nato, o louco moral. Quando, ao longo da vida, na organização intelectual, moral, afetiva do delinqüente, o impulso criminal é isolado, acidental e, provavelmente, passageiro, pode-se, e mesmo deve-se, perdoar. Mas quanto mais esse impulso é ligado à trama inteira das idéias e dos sentimentos, mais o homem é culpado e deve ser punido. Vós nos haveis mostrado esses orangotangos lúbricos, ferozes, de face humana. Certamente, sendo tais, não poderiam agir de outro modo senão como o fazem. Se eles violentam, se eles roubam, se eles matam, é em virtude de seu natural e de seu passado, infalivelmente. Razão a mais para destruí-los, logo que se constata que são e permanecerão sendo sempre orangotangos. Nesse caso, não faço qualquer objeção contra a pena de morte, se a sociedade julgá-la proveitosa.


Paris, 12 de abril de 1887.
H. Taine