18 de outubro de 2008

Esplendores e Misérias das Cortesãs

A magistral capacidade descritiva deste autor me impressionou sempre, daí eu sentir vontade de compartilhar com os leitores passagens que considerei marcantes, em especial, quando ele retrata a delinqüência, seus autores e vítimas. Além de numerosos personagens do mundo criminal, no romance Esplendores e Misérias das Cortesãs, vol. IX, Balzac nos descreve o carro no qual eram transportados os prisioneiros:


Essa ignóbil carruagem de caixa amarela, montada sobre duas rodas e chapeada de ferro, é dividida em dois compartimentos. Há na frente um banquinho forrado de couro. É a parte livre do cesto de salada, destinada a um oficial de diligências e a um gendarme. Uma sólida grade de ferro separa, em toda a altura e largura do carro, essa espécie de cabriolé do segundo compartimento onde estão dois bancos de pau dispostos, como nos ônibus, aos lados da caixa e nos quais os presos vão sentados; eles são introduzidos aí por meio de um estribo e por uma portinhola sem postigo no fundo da carruagem. Para mais segurança, na previsão de algum acidente, a carruagem é seguida por um gendarme a cavalo, principalmente se conduz prisioneiros condenados à morte. Assim sendo, a evasão torna-se impossível.
Do mesmo romance, outra mulher extraída do mundo do crime, que se disfarçara de vendedora ambulante, é assim descrita:

Era uma vendedeira de hortaliça tão genuína que, se ao tempo houvesse fiscais, haviam de deixá-la circular sem lhe pedirem a licença, apesar da fisionomia sinistra que tresandava a crime. A cabeça, coberta com um lenço ordinário de algodão quadriculado em farrapos, eriçava-se de madeixas rebeldes que denunciavam uns cabelos semelhantes a cerdas de javali. O pescoço vermelho e engelhado causava horror, e o fichu não dissimulava inteiramente a pele curtida pelo sol, pela poeira e pela lama. O vestido parecia uma tapeçaria. Os sapatos faziam cada careta que pareciam estar troçando da cara tão rota como o vestido. E que corpete! Um emplastro não seria tão imundo... A dez passos, aquele trapo ambulante havia de bulir com o olfato das pessoas delicadas. As mãos nunca em sua vida tinham visto água. Aquela mulher ou vinha de alguma assembléia noturna de bruxas ou de algum asilo de mendicidade. Mas que olhar, que inteligência ousada, que vida reprimida quando os raios magnéticos de seus olhos e os de Jacques Collin se encontraram para trocar uma idéia!

Não é só isso. Balzac nos testemunha ainda o pensamento da época em que se aproximavam os conceitos do criminoso e do louco. Do mesmo romance:

O crime e a loucura têm suas parecenças. Ver os presos da Conciergerie no pátio ou ver doidos no jardim de uma casa de saúde é a mesma coisa. Presos e doidos passeiam evitando-se. Lançando uns aos outros olhares estranhos ou atrozes, conforme seus pensamentos, nunca sérios nem alegres; porque se conhecem ou se temem. A expectativa de uma condenação, os remorsos, as ansiedades, dão aos passeantes do pátio o ar inquieto e esgazeado dos doidos. Só os criminosos consumados têm um aprumo que semelha a tranqüilidade de uma vida honesta, a sinceridade de uma consciência pura.