A intensidade da paixão e a complexidade dos temas e enredos deste escritor russo vêm fascinando gerações de leitores em todo mundo. Nascido em Moscou em 1821, era filho de um médico do Hospital dos Pobres. Cresce nesse ambiente até 1831, quando a família se muda para Tula, perto de Moscou. Em 1834 Fiodor e seu irmão mais velho vão para o Liceu e, três anos mais tarde, perdem a mãe. Dostoievski cursa daí a Escola de Engenharia Militar. Em 1839, seu pai é assassinado por servos, fato que causa forte comoção àquele que, em seguida, começa a projetar-se nos meios culturais e a freqüentar um círculo de socialistas.
Preso em 1849, Dostoievski viu-se condenado ao fuzilamento e, já sob a tensão dos preparativos, teve a pena comutada pelo czar. Lembranças desse episódio aparecem em sua obra. A sentença fora transformada em exílio na Sibéria, com trabalhos forçados, e Dostoievski termina preso na fortaleza de Omsk por quatro anos. Sofre então o primeiro ataque de epilepsia, doença que o persegue por anos e anos. Libertado em 1854, retoma a atividade literária.
Casa-se em 1857, pela primeira vez, com Maria Dmitrievna Issaiev, e depois com Anna Grigorievna Snitkina, a quem, premido pelas dívidas acumuladas, ele dita, o romance Igrok (O jogador), em 1866, obra de fundo autobiográfico escrita em apenas 26 dias para saldar dívidas com um editor.
Seus temas versam sobre denúncia social, exposição dos dramas humanos e dilemas existências de seus personagens, enfatizando sempre a angústia e as inquietudes que afligem personagens construídos com densidade e descritos pormenorizadamente em sua psicologia. Em 1855 já começara a reunir notas para as Zapiski iz mertvogo doma (1861, Recordações da casa dos mortos), magnífica obra que causa enorme repercussão, pois vem retratada ali a sua vida no presídio, contada em forma de romance, onde encontramos a culpa, o castigo, o crime, o mal em si, e os limites do ser humano submetido a um regime prisional assustador. Enrico Ferri disse dele que foi, para o romance psicológico, o que Dante foi para a poesia e Shakespeare, para o drama humano. O mesmo jurista, da obra Recordações da Casa dos Mortos, comentou que:
A própria forma da obra, o seu estilo, o lento evoluir da narração, as repetições, as digressões freqüentes atestam a sinceridade absoluta e a exatidão do narrador. Detido entre os forçados, condenados por delitos de direito comum, o grande artista sobrepôs-se pouco a pouco aos seus desgostos de homem refinado e idealista, venceu a desconfiança dos seus camaradas e pôde descrever a estranha gente que o rodeava com uma fidelidade e uma precisão de linhas admiráveis. Alguém que estudou os criminosos na prisão, após haver-se provido de suficientes noções de psicologia e de psicopatologia pode tornar a encontrar no livro de Dostoievski personagens já vistas.
E ainda:
Não se limita, todavia, a notar, com uma rara penetração, os sintomas da psicologia criminal. Sabe perscrutar todos os cantos do coração humano e como (já eu demonstrei essa verdade) no criminoso sobrevivem muitos traços e sentimentos normais ao naufrágio ou à atrofia congênita do sentido social, Dostoievski sabe definir esses traços e pô-los à luz.
Depois vem Prestuplenie i nakazanie (1866; Crime e castigo), cujo relato impactante impressiona até mesmo Tolstoi, fascinado com o destino de Raskolnikov, homicida perseguido pela memória de seu crime. O estudante paupérrimo resolve matar uma miserável e usurária que considerava inútil, visando com isso apossar-se de seus bens para salvar a si e a sua família. O ato criminoso, contudo, leva-o a outro assassinato de um inocente e Raskolnikov termina sem poder roubar nada, devorado pela dúvida e com os nervos destruídos em razão de conversas que tem com um comissário de polícia. Finalmente, acaba confessando o crime a uma prostituta que o converte, pregando-lhe o Evangelho e indicando-lhe o caminho do arrependimento e da redenção. Analisando em profundidade esta obra, Enrico Ferri observa:
Romance terrível e pungente, na anatomia da gangrena moral em Raskolnikov, tipo de criminoso louco, por obsessão homicida, e em Sonia, a doce jovem que a fome levou à prostituição, chega o escritor, por um artifício visível, por um declive muito natural, à crítica social, tanto mais ousada, tanto mais eloqüente quanto é subentendida. Deixa-nos, ao final de seu livro, a esperança de um renascimento moral em Raskolnikov, condenado, depois de sua confissão de assassinato, a sete anos de Sibéria, onde Sonia o acompanhou e onde, pela primeira vez, confessaram seu amor e sentiram-se regenerados por seu mútuo afeto, porque o coração de cada um deles continha uma inesgotável fonte de vida para o coração do outro.
Neste mesmo ano de 1866, Dostoievski escreveu O jogador, onde fala de sua paixão pelo jogo. Dois anos depois, aparece O idiota, outra obra impressionante que provoca perplexidade geral nos meios intelectuais. Michkin, o príncipe que encarna o idiota, é uma espécie de Dom Quixote do cristianismo que sente como puro ideal, verdadeira antítese de Raskolnikov. Se este acha que pode tudo, o príncipe é a vítima das circunstâncias, vencido pelas forças maléficas desencadeadas a seu redor.
Dostoievski morre em São Petersburgo, em 1881.
Toda literatura do século XX sofreu algo de sua influência, que se estende até mesmo a Nietzsche e de Freud. Lombroso referiu-se expressamente à obra Recordações da Casa dos Mortos, de onde extraio a descrição de Gazin:
Gazin era uma criatura terrível, causando em todos uma impressão apavorante. Acho impossível existir alguém mais hediondo e selvagem, apesar de haver visto Tobolsk o criminoso Kameniev, célebre por seus morticínios, e de haver visto mais tarde Sokolov, desertor do exército, tenebroso assassino. Nenhum deles me causou a impressão repugnante que me deu Gazin. Sempre que o vi, posteriormente, foi como se deparasse com uma aranha descomunal do tamanho de um homem. Era oriundo da Tartária e incrivelmente forte, o presidiário mais robusto de toda a prisão. Não muito alto, mas dum arcabouço de Hércules com uma cabeça desproporcionada, horripilante; caminhava meio vergado e olhava de baixo para cima, como o touro que vai marrar, com uns olhos esbugalhados.