22 de março de 2012

A Vagabunda

meu deus! como eu era jovem e como o amava, como amava aquele homem! e como vim a sofrer!... o que aqui fica não é um grito de dor, nem uma lamúria vingativa. não: é um suspiro que assoma de vez em quando, como se eu apenas quisesse dizer: "se soubessem como estive doente, há quatro anos atrás!" e quando confesso: "tive ciúmes a ponto de querer matar e morrer", faço-o como as pessoas que evocam fatos vividos: "comi rato em 1870..." É certo que se lembram disso, mas têm dentro de si tão somente a lembrança. sabem que comeram rato, mas não mais as assalta o arrepio de horror, a febre da fome.
após as primeiras traições, após essa fase em que me submetia, movida pelo amor jovem que teimava em esperar e em viver, pus-me a sofrer com um orgulho e uma resolução intratáveis. foi quando comecei a fazer literatura.
COLETTE, Gabrielle S., A vagabunda, trad. Juracy Daisy Marchese, edição virtual disponível no Scribd  http://pt.scribd.com/doc/6923184/Gabrielle-S-Colette-A-vagabunda