Dos muitos ideais que na juventude deram à vida um sentido e um brilho que faltam às perspectivas arrepiantes da meia-idade, pelo menos um permeneceu comigo tão luminoso e satisfatório como sempre fora -- a admiração descarada dos heróis. Numa era que a tudo nivelaria e a nada adoraria, eu me ponho ao lado do Carlyle vitoriano, e acendo minhas velas, como Mirandola diante da imagem de Platão, no santuário dos grandes homens.Eu digo "descarada", porque sei o quão fora de moda é, agora, reconhecer na vida ou na história qualquer gênio mais sublime que o nosso. Nosso dogma democrático pôs num mesmo patamar não somente todos os votantes, mas também todos os líderes; deliciamo-nos em mostrar que os gênios que vivem são apenas medíocres, e que os já mortos são mitos.Se pudermos acreditar em Mr. Wells, Cesar era um imbecil e Napoleão um idiota. E já que é contrário às boas maneiras exaltarmos a nós mesmos, chegamos ao mesmo resultado por meio da indicação maliciosa de o quão inferiores são os grandes homens da terra. Em alguns de nós, talvez, trata-se de um nobre e cruel ascetismo, que arrancaria de nossos corações o último vestígio de admiração e adoração, receando que os velhos deuses voltassem para nos aterrorizar mais uma vez.De minha parte, eu me agarro a esta religião final, e descubro nela um conteúdo e um estímulo mais duradouro do que aquele que vinha dos êxtases devocionais da juventude. Quão natural parecia cumprimentar Rabindranath Tagore por aquele título que por tanto tempo lhe foi dado por seus compatriotas, Gurudeva -- "Mestre Reverenciado". Pois por que razão deveríamos nos colocar em veneração diante de cachoeiras e topos de montanha, ou uma lua estival sobre um mar tranqüilo, e não diante do maior de todos os milagres -- um homem que é ao mesmo tempo grandioso e bom? Tantos de nós somos meros talentos, crianças espertas no jogo da vida, que quando um gênio se levanta em nossa presença, nós podemos apenas nos curvar à sua frente como a uma obra de Deus, um prosseguimento da criação. Tais homens são a própria vida e o sangue da história, para os quais a política e a indústria não passam de moldura e ossos.Causa parcial do academicismo árido do qual estávamos sofrendo quando James Harvey Robinson nos convocou a humanizar nosso conhecimento foi a concepção da história como um fluxo impessoal de figuras e "fatos", no qual o gênio exercia um papel tão pouco essencial que os historiadores se orgulhavam de ignorá-los. Deveu-se a Marx, acima de tudo, essa teoria da história; ela estava amarrada a uma visão da vida que desconfiava do homem excepcional, invejava o talento superior, e exaltava os humildes como os herdeiros da terra. No fim, os homens começaram a escrever a história como se ela jamais tivesse sido vivida, como se nenhum drama jamais tivesse passado por ela, nenhuma comédia ou tragédia de homens em luta ou frustrados. As vívidas narrativas de Gibbon e Taine deram lugar a montes de cinzas feitas com uma erudição irrelevante na qual todos os fatos estavam corretos, documentados e mortos.Não, a história verdadeira do homem não está em preços e salários, nem em eleições e batalhas, nem nas tendências rasas do homem comum; está nas contribuições duradouras feitas pelos gênios ao conjunto da civilização humana e da cultura. A história da França não é, se é possível dizer isso com toda a cortesia, a história do povo francês; a história daqueles homens e mulheres anônimos que cultivavam a terra, consertavam os sapatos, cortavam a roupa e vendiam as mercadorias (pois tais coiss tem sido feitas sempre e em todos os lugares) -- a história da França é o registro de seus homens e mulheres excepcionais, seus inventores, cientistas, estadistas, poetas, artistas, músicos, filósofos e santos, e os acréscimos que eles fizeram à tecnologia e à sabedoria, às artes e à decência, do seu povo e da espécie humana. E assim com todo país, assim com o mundo; sua história é propriamente a história de seus grandes homens. Que somos o resto de nós senão tijolos e argamassa dóceis em suas mãos, para que eles possam fazer uma raça um pouco melhor que nós mesmos? Portanto, eu vejo a história não como um cenário triste de político e carnificina, mas como o esforço do homem -- por meio do gênio -- contra a inércia obstinada da matéria e o mistério atordoante da mente; o esforço para compreender, controla e reconstruir a si próprio e ao mundo.Vejo homens de pé à beira do conhecimento, e segurando a luz uma pouco mais além; homens esculpindo o mármore em formas enobrecedoras; homens moldando povos em instrumentos melhores de grandeza; homens criando uma línguagem da música e uma música da linguagem; homens sonhando com vidas melhores, e vivendo-as. Eis um processo de criação mais vívido que em qualquer mito, uma divindade mais real que em qualquer credo.Contemplar tais homens, nos insinuarmos pelo estudo em algum modesto discipulado em relação a eles, observá-los em seu trabalho e nos aquecermos no fogo que os consome -- isto é recapturar um pouco da emoção que a juventude nos dava quando pensávamos, no altar ou no confessionário, que estávamos a tocar ou a ouvir Deus.Nessa juventude sonhadora nós acreditamos que a vida era má, e que somente a morte poderia nos conduzir ao paraíso. Estávamos errados; mesmo agora -- enquanto vivemos -- podemos entrar nele. Cada grande livro, cada trabalho de arte reveladora, cada registro de uma vida devotada é um chamado e um "Abre-te, sésamo" para os Campos Elísios.Extinguimos cedo demais a chama de nossa esperança e nossa reverência. Mudemos os ícones, e acendamos as velas mais uma vez.
Will Durant