6 de dezembro de 2008

AS CARTAS IX

Carta de Francisco para Maria escrita em 17 de março de 1924

Maria,
Em tua carta de hoje, supuseste muita coisa para explicar o não recebimento da minha carta de dez e, entanto, não supuseste tudo. Deixaste até de fazer suposições mais aceitáveis, pelo menos para mim, que aquelas que fizeste. Pensaste, antes de tudo (era natural...) numa exageração de castigo; depois numa viagem imprevista; e, afinal, num outro qualquer motivo grandemente dominador. Erraste em todas as tuas conjecturas, em todas as tuas hipóteses. Motivo grandemente dominador, viagem, exageração de castigo, nada disso houve. Nem pouca vontade de escrever, nem preguiça, nem falta de prazer, nem desejo de dizer-te qualquer coisa, iluminado pela ânsia de receber de ti alguma coisa. Ao contrário: foi até radiante de felicidade que senti chegar o dia oito, que te escrevi, e tão ansiosamente esperava já a tua resposta que nem pus, nessa carta, o dia em que devias esperar outra... Em vez de te castigar, eu é que estava sendo castigado... Por isso foi com surpresa que soube do não recebimento da minha carta. Esta, como já disse, foi escrita e deitada na caixa postal dia oito. Agora, para mim, as presunções possíveis, admissíveis, verdadeiras, são estas: ou houve extravio ou receptação. Tanto a primeira quanto a segunda hipóteses são aceitáveis. Mas quem poderá saber qual foi a realizada? Em todo caso, a segunda é a menos difícil de ser verificada.
Essa complicação veio trazer-me o antigo temor na fragilidade de nosso plano. Eu tenho bem consciência de sua inconsistência. Receio que sejamos descobertos. Não que eu tema por mim. Eu temo por ti unicamente, que estás tão perto das criaturas que se preocupam tanto contigo e com as nossas coisas.
Por isso, dou-te uma sugestão prudente: cessarmos a nossa correspondência. Eu irei sofrer muito. Irei sentir mais desolada a minha solidão. Mas, é necessário. A vida, continuamente, exige do homem, para sua felicidade, um novo sacrifício. Eu estou pronto a fazer todos os que me pedir. Irei fazer mais um.
Responde-me logo.
Francisco