7 de dezembro de 2008

AS CARTAS X

Carta de Francisco para Maria escrita em agosto de 1924.
Maria,
Longos dias a te procurar em vão, andei pelas ruas da cidade. Meu vulto doloroso, meio esbatido entre a névoa destes últimos dias, era todo o anseio de uma busca e o desânimo de uma desilusão. Tu não me aparecias...
Da primeira claridade do dia, no meio do bulício, entre o torvelinho humano, à meia-tinta do crepúsculo, sempre em vão, rodei pelos caminhos, em procura da minha vida, em procura de mim mesmo.
E a tua figura, vezes e vezes, vivia, efemeramente, aos olhos da minha ilusão, na figura das outras mulheres que passavam, vagas, indistintas, tecendo o meu engano.
Rodavam comigo a Saudade, a soluçar a canção das lágrimas, e o meu cigarro.
E depois, na solidão da noite, todo o impossível de te ver doía-me n’alma... Era uma dor absconsa, enorme, a apertar-me o coração e a umedecer-me os olhos... E eu desesperava...
De repente ela veio... Veio vindo, vagarosa, tímida... Começou tomando-me as mãos entre as suas mãos longas e frias... Depois enlaçou-me o busto, recolheu-me as lágrimas dos olhos com os seus lábios de morta, e pôs-se a murmurar, num sopro, ao meu ouvido, palavras de conforto.
Um pouco anestesiado da grande dor, olheia-a com simpatia de infeliz...
Era a chuva, a minha irmã... A minha doce e melancólica irmã... Trazia nos olhos de violeta toda a doçura e nos gestos de sombra toda a ternura do amor.
Cessaram as minhas lágrimas. Já não era tão só. Envolvi-me, então, longamente, tristemente, nas suas carícias frias, a sonhar, de pálpedras caídas, com as carícias mornas do teu corpo de pássaro...
E quando a chuva se foi, tu vieste
para o teu
Francisco