O tédio e a mesmice são um culto que se pratica perpetuando hábitos, porque isso nos torna mais úteis e mais eficientes na linha de produção que é a vida social, corrente de repetições mecânicas que amarra o homem às tradições de seu grupo, incluindo-o nele, integrando-o, fazendo-o agir como seus ancestrais. Nisso entra até o que ele deve sentir, regramentos de amor e ódio, visões de mundo, uma vida prêt-à-porter, prêt-à-penser e prêt-à-sentir.
Mas também uma vida repleta de premiações conferidas àqueles que fazem a sua parte no rebanho. A imensa maioria de nós só vê o que lhes foi ensinado ver, e nisso não vai nenhum demérito. Tampouco desistem de defender seus pontos de vista com todas as forças, sempre que uma ameaça de desmentido ou de revolução axiológica faz frente a essa herança viva a que se resume o tesouro do clã.
Desvincular-se é solitário, e a solidão, por si mesma, exclui, separa, desvincula, consagrando o trauma edênico inscrito no imaginário desde a expulsão do Paraíso e o Pecado Original. Os desobedientes viram réprobos ou Cains e revoltam-se, tornando-se visionários e às vezes místicos. E os distraídos e desligados refogem também a essa mecânica insidiosa. São freqüentemente artistas, meio deslocados, porque perdem o tal foco, — palavra da moda, — e olham o mundo por si, sentindo-o, e não para si, utilizando-o. Perdem-se de si e dos outros, mas terminam sempre por encontrar, ainda que nada procurem.
Pode-se olhar e não ver, porque para ver é preciso sentir, e nisso entram, mais que os olhos, ainda o instinto e a intuição, duas coisas um tanto quanto impopulares, porque requerem mais impulsividade que cálculo. Enfim, pensar e perceber, sentir e criar são exercícios solitários, tanto quanto viver.