Nos bons velhos tempos, um rei, com seu poder sem limites, tinha o direito de vida e de morte sobre milhões de súditos que lhe pertenciam desde o berço. E como estava cercado por uma tropa de servidores solidamente armados, robustos e sem escrúpulos, ele podia fazer enforcar e dar tratos de polé, segundo seu prazer. Podia mesmo forçar milhões de indivíduos a trabalhar para seu palácio ou para seu túmulo durante anos e anos. As pirâmides não são apenas um magnífico edifício. Elas são ainda um esplêndido testemunho da loucura humana, pois que todo um povo deslocou e empilhou enormes pedras durante trinta anos, com o único fim de construir, para o Rei Quéops, uma sepultura que desenhasse seu prodigioso perfil a alguns quilômetros de distância. Que dez milhões de escravos tenham assim, sem se revoltar, suado, penado, sofrido para a satisfação de um único personagem, por Quéops que ele fosse, eis uma inépcia que se ergue bem acima do vértice da alta pirâmide.
Mas Quéops não foi o único a escravizar um grande povo a tarefas absurdas. A história do mundo é, sobretudo, aquela dos diversos Quéops, obscuros ou famosos, que foram servidos por milhões de escravos. Houve Sesóstris, Xerxes, Dario, Nero, Julio César, Carlos Magno, Carlos V, Luís XIV, Napoleão, Guilherme II e ainda muitos outros potentados que esmagaram, sob suas fantasias, imensas populações dóceis e estúpidas.
Que certos semideuses, — Carlos Magno ou Luís XIV, Carlos V ou Napoleão, — tenham dado testemunho de uma inteligência superior àquela dos homens vulgares, é quase indiscutível. Ainda assim, que desproporção entre a enormidade de seu poder e o vigor de seu espírito! Assim como seus mais humildes súditos, eles eram homens. Seu sangue era da mesma cor e suas excreções da mesma espécie. Eles respiraram pela primeira vez e deram seu último suspiro à maneira dos mais humildes mamíferos.
Charles Richet