24 de dezembro de 2010
A Banheira de Marat
Foi nesta. Eu aposto. Foi tomando banho nesta banheira que morreu Marat, apunhalado no coração por Charlotte Corday. Consta que era um punhal com uma lâmina de seis polegadas, o que leva a gente a pensar que Marat pode ter sido morto por alguma gaúcha, com tendências homicidas. Gaúchos adoram facas, punhais, canivetes, facões, etc. Pela TV, pode-se ter ouvido contar que o episódio teve lugar durante a Revolução Farroupilha. Há controvérsias. Dizem que Marat atuou na Revolução Francesa, mas no fundo tanto faz. Importa é que deu na TV. Embora os gaúchos tenham preservado a banheira em um acervo histórico, consta que os bandeirantes, cruzando o Mampituba, teriam se apropriado criminosamente do objeto, levando-o para que ficasse exposto no Museu do Ipiranga, de onde, mais tarde, foi roubado por contrabandistas de obras de arte e vendido para um colecionador que prefere ficar no anonimato, por razões óbvias.
Ah! Inconsistências históricas? Mas o que é isso diante de uma banheira como essa? Tudo precisa ser lendário, simbólico, ou nunca chegará a ser significativo. As coisas não são nada frente ao que podem significar. Resta agora achar uma cabra, que se chamará Charlotte, e que dará leite bastante para encher a banheira onde só Cleópatra poderá banhar-se.
Ah! É preciso também achar o punhal. De seis polegadas. E ainda manchado do sangue de Marat. Imaginação, imaginação. O mundo é todo fruto da imaginação.
23 de dezembro de 2010
Nada a declarar
Há enormidades indeclináveis.
Como alguém pode ser assim tão óbvio?
Como alguém pode ser assim tão óbvio?
7 de dezembro de 2010
5 de dezembro de 2010
28 de novembro de 2010
Reclames de Antigamente
Reclames de Antigamente
Um livro muito interessante
Apesar de não poder falar nem se mexer, Stephen W. Hawking escreve: "Exceção feita ao azar de ter contraído ALS, uma doença neuromotora, fui feliz em todos os outros aspectos da minha vida".
27 de novembro de 2010
Reclames de Antigamente
23 de novembro de 2010
Pensar
Pensar é uma das poucas coisas que ainda se pode fazer livremente, e mesmo assim já está se tornando perigoso.
21 de novembro de 2010
A noite acompanhada dos gênios do amor e do estudo
Este quadro, A Noite Acompanhada dos Gênios do Amor e do Estudo, de Pedro Américo, está entre os mais fascinantes que já vi até hoje. Com 2m60 x 1m95, data de 1883, impressiona pela composição e pelos detalhes.
Pedro Américo foi genial em tudo o que pintou. É dele a famosa tela O Grito do Ipiranga, vale lembrar. Contudo, a história sagrada inspirava-lhe mais que qualquer outro tema. Em 1864, escrevendo a Vítor Meireles, ele assim se exprimiu: "Minha natureza é outra. Não creio dobrar-me com facilidade às exigências passageiras dos costumes de cada época, que também são uma das fontes em que um talento como o seu pode achar pérolas. A minha paixão, só a história sagrada a sacia." [Enc. Koogan-Houais]
Pedro Américo foi genial em tudo o que pintou. É dele a famosa tela O Grito do Ipiranga, vale lembrar. Contudo, a história sagrada inspirava-lhe mais que qualquer outro tema. Em 1864, escrevendo a Vítor Meireles, ele assim se exprimiu: "Minha natureza é outra. Não creio dobrar-me com facilidade às exigências passageiras dos costumes de cada época, que também são uma das fontes em que um talento como o seu pode achar pérolas. A minha paixão, só a história sagrada a sacia." [Enc. Koogan-Houais]
Reclames de Antigamente
19 de novembro de 2010
Inacreditável, mas passou
Tenho lido muito sobre o hábito de fumar ou, no vocabulário dos censores, sobre o tabagismo. Continuo fã de quem fuma. No entanto, os discursos prosseguem, cada vez mais fortes, e até mesmo me fizeram reler o que escrevi há algum tempo, falando de mim mesma e por mim mesma sobre meu caso apaixonado com cigarros. Acho que não mudaria uma vírgula do que escrevi. Talvez acrescentasse que, de tanto ouvir falar mal de quem fuma, tentei voltar ao hábito, sem sucesso, no entanto. Quem não fuma é sempre tão chato e repetitivo! Antes estar do outro lado!
Tentei, assim, voltar ao velho hábito. Receio, porém, que o cigarro tenha decidido me abandonar. Não sente mais nada por mim. Nem para tabagista eu sirvo mais, creio. Simplesmente não encontrei nenhum prazer sequer na maravilhosa primeira tragada depois do café. Nada. Realmente, passou. Devo permanecer consumindo café e coca zero apenas, em copiosa quantidade. E devorando livros.
Por sorte, todavia, restam ainda alguns fumantes com quem posso me relacionar, gente que permance saudável em meio àqueles que querem tanto nos salvar, sempre com a mais pura das intenções e, naturalmente, em nome do bem.
Tentei, assim, voltar ao velho hábito. Receio, porém, que o cigarro tenha decidido me abandonar. Não sente mais nada por mim. Nem para tabagista eu sirvo mais, creio. Simplesmente não encontrei nenhum prazer sequer na maravilhosa primeira tragada depois do café. Nada. Realmente, passou. Devo permanecer consumindo café e coca zero apenas, em copiosa quantidade. E devorando livros.
Por sorte, todavia, restam ainda alguns fumantes com quem posso me relacionar, gente que permance saudável em meio àqueles que querem tanto nos salvar, sempre com a mais pura das intenções e, naturalmente, em nome do bem.
17 de novembro de 2010
16 de novembro de 2010
14 de novembro de 2010
Estágio
Tem horas que a gente vai parar direto lá dentro. Depois sai e diz que fez estágio. Simples, como toda desculpa no que tem de mais indesculpável, palavra pomposa que nos enche de razão. Daí ficarmos nos estágios, categoria de vivência que deve servir para nos deixar mais experientes. Entretanto, nem todo mundo aprende com a experiência, ao menos as moscas não, quando teimam em voar de encontro às vidraças. E nós temos todos muito de gente, e outro tanto de moscas, acho. Ou não daríamos com tanta força de encontro às vidraças, buscando alcançar nem sei bem o quê. Eu diria que o sonho da mosca deve ser um dia ver a vidraça se estilhaçar ao impacto de um encontrão seu. Seria glorioso para a mosca, e um vexame para a vidraça.
13 de novembro de 2010
Desperdício
Grande chance perdida hoje. Queria tanto ter aproveitado...
11 de novembro de 2010
Não é exagero
É que simplesmente há tempos em que é preciso mais, muito mais, mesmo do que já é demais, para que haja menos daquilo que machuca. Exageros são essenciais às vezes. Tudo é compensação.
10 de novembro de 2010
Chove
Chove. Que fiz eu da vida?
Fiz o que ela fez de mim...
De pensada, mal vivida...
Triste de quem é assim!
Numa angústia sem remédio
Tenho febre na alma, e, ao ser,
Tenho saudade, entre o tédio,
Só do que nunca quis ter...
Quem eu pudera ter sido,
Que é dele? Entre ódios pequenos
De mim, 'stou de mim partido.
Se ao menos chovesse menos!
Fernando Pessoa, 1931
Fiz o que ela fez de mim...
De pensada, mal vivida...
Triste de quem é assim!
Numa angústia sem remédio
Tenho febre na alma, e, ao ser,
Tenho saudade, entre o tédio,
Só do que nunca quis ter...
Quem eu pudera ter sido,
Que é dele? Entre ódios pequenos
De mim, 'stou de mim partido.
Se ao menos chovesse menos!
Fernando Pessoa, 1931
9 de novembro de 2010
Passo a Passo
Uma coisa de cada vez, um dia depois do outro, coisas que acontecem antes e depois, uma por uma, tudo porque o tempo é aquilo que retarda e evita que tudo seja simultâneo. Será?
8 de novembro de 2010
Causas & Efeitos
Mas a tal questão de que eu poderia te tornar uma pessoa melhor é muito duvidosa, porque somos contingentes, sujeitos ao imponderável, à vida e à morte. Quem sabe? Sujeitos ao tal DESTINO que gostamos de imaginar que alguém escreveu em algum lugar. Gosto de acreditar, mesmo, é naquela velha história dos efeitos que criam suas próprias causas...
6 de novembro de 2010
A Polidez
Enfim, sobre todas a almas assim falseadas, estende-se a maquilagem obrigatória da polidez, este sinal distintivo de povos tanto mais ardilosos, quanto mais antigamente civilizados, como os chineses. Até onde não chegará a hipérbole dos obituários, por exemplo, esta hipocrisia cuja suspensão seria um escândalo? Se os Alcestes se tornam cada vez mais raros, é porque a franqueza é uma causa de insociabilidade sempre crescente. A multiplicação das relações pessoais e, por conseguinte, das conversações, desenvolve a maledicência, e a maledicência, a duplicidade. Com efeito, se fosse criada uma lei no mundo de não se poder apertar a mão nem se mostrar simpático a qualquer um de quem se acaba de falar mal, acabaríamos por nos indispor com todos os conhecidos.
Gabriel Tarde
Gabriel Tarde
5 de novembro de 2010
Insisto
E insistirei sempre. Amigo de meu inimigo, meu inimigo é.
A eloquência dos silêncios
É necessário chegar a um alto grau de intimidade afetuosa para poder permitir-se, quando dois amigos estão juntos, guardar longo tempo de silêncio. Entre amigos que não são muito íntimos, entre indiferentes que se encontram num salão, a palavra sendo o único liame social, desde que este único liame vem a se romper, um grande perigo aparece, o perigo de ver revelar-se as mentiras da polidez, a ausência total de um relacionamento profundo, a despeito dos sinais exteriores de amizade. Esse silêncio glacial, quando ele aparece, consterna como um rompimento de véus pudicos, e faz-se de tudo para evitá-lo. Atira-se, ao fogo da conversação que vai se extinguindo, tudo aquilo que vos vem ao espírito, seus segredos, os mais caros, aquilo em que se tinha o maior interesse em não dizer, como no momento de um naufrágio, atira-se ao mar os pacotes mais preciosos, para retardar a submersão. O silêncio, em meio a uma conversa de salão, é o descarregamento do navio em meio ao oceano.
Gabriel Tarde
Gabriel Tarde
Poema à boca fechada
Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.
Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.
Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.
Saramago
Que triste surpresa...
Bem no meio da madrugada essa presença funesta, malsã.
3 de novembro de 2010
A massa de que somos feitos
É desta massa que nós somos feitos, metade de indiferença e metade de ruindade
Saramago
Saramago
2 de novembro de 2010
A propósito
Quem respeita todas as coisas não respeita coisa nenhuma.
Nem assim...
Nem olhando a placa, nem lendo o PARE, nem com as minhas unhas pintadas de vermelho, coisa mais feia... Nem assim.
Respeito & Respeito
Impressiona-me o quanto se recorre à palavra respeito, para dela se extrair um conteúdo que cada vez mais torna as tais relações humanas sujeitas a esse verdadeiro chavão que não serve para outra coisa que não seja corroborar com a mais deslavada hipocrisia. Fingir respeito pelo que se desdenha e despreza é bem pior que o desaforo puro e simples. Daí os intratáveis tornarem-se cada vez mais raros, pois intratável é quem se atreve a expressar o que sente bem como sente, sem dar-se ao trabalho de adequar o discurso à platéia. Ao desaforo puro e simples podemos responder com outro desaforo puro e simples, e acabar rindo depois; porém, a respeitosa discordância nascida da normalização das relações sociais, esta já vem com a assinatura dos covardes e dos sonsos, donos dos discursos politizados, corretos e bem educados, eu diria, bem amestrados, e a esta muitas vezes só se pode responder com o silêncio, sob pena de nos contagiarmos nós mesmos com essa santidade repleta de boas intenções. E como se produz ruído com esse palavrório medíocre, com esse falso pudor, com esse ranço impudente que na verdade é sermão que pretende se colocar como discurso! Eu vejo isso muito bem, ao reconhecer o absoluto predomínio dessa forma melíflua de desaforo. Reconheço que prefiro lidar com a mais rematada grosseria, a lidar com essa nauseante postura diplomática típica dos covardes. Tem horas que isso simplesmente me cansa. E eu me pergunto como conseguem jogar assim e fingir que acreditam naquilo que sustentam? Bem, talvez por conta do lucro social, dos rentáveis juros que as platéias capitalizam às vaidades. É socialmente lucrativo parecer equilibrado, respeitoso, reconhecedor das divergências e das discordâncias, harmonizador das relações sociais, bem intencionados articuladores de cuja inocência ninguém ousaria duvidar ou questionar impunemente. Especialmente quando se conquistam platéias tão pródigas na produção dos aplausos tanto quanto dos elogios. Respeito? Quanta falsidade aí se disfarça! Talvez o verdadeiro sentido da palavra respeito não esteja exatamente onde a maioria, democraticamente, o coloca. Respeitar deveria ser reconhecer valor, reconhecer verdade, reconhecer no outro uma posição repleta de originalidade que nos enriquece de fato. Respeitar qualquer coisa, qualquer um, sacralizar assuntos ou temas apenas porque são tabus que não admitem discussão, ressalvando-os de quaisquer atentados, pelo simples fato de mostrar-se respeitoso é algo que rebaixa o próprio respeito à estatura dos covardes que fazem disso uma forma até hábil de sustentar sua dissimulação, angariando assim o mesmo respeito que tão habilmente pretendem demonstrar, prodigalizando-o a torto e direito. Respeito é bem outra coisa. Mas, como disse o florentino aquele, há muito tempo, ver é dado a todos; sentir, a poucos. E é bem mais cômodo deixar-se enganar e levar pelas aparências, do que penetrar na essência e no sentido que se esconde do outro lado do espelho.
1 de novembro de 2010
Reclames de Antigamente. Este é de 1932
30 de outubro de 2010
Sinal de Deus
Não sou um ateu total, todos os dias tento encontrar um sinal de Deus, mas infelizmente não o encontro.
Saramago
Saramago
Sabe o roxo?
Tem coisa mais expressiva que cor? Só palavras mesmo me parecem tão expressivas quanto as cores. E não têm elas seu próprio colorido? Roxo é assim, quanto mais por perto do amarelo. Azul e rosa já dizem tanto. Brancos, verdes. Uns pureza, outros esperança, quem sabe inveja, quem sabe ciúme, quem sabe. Cores e palavras, umas e outras me parecem todas carregadas de expressividade.
Tem dia que falta sol...
E tem noite que falta luz.
Só para reforçar
Eu continuo dizendo a mesma coisa. Amigo de meu inimigo, meu inimigo é.
29 de outubro de 2010
Beatriz
Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz
Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Olha
Será que ela é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Sim, me leva pra sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz
Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se o arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida
Edu Lobo/Chico Buarque
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz
Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Olha
Será que ela é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Sim, me leva pra sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz
Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se o arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida
Edu Lobo/Chico Buarque
28 de outubro de 2010
Tempo
Há quase cinqüenta anos eu era muito ligado à filosofia de Spencer. Percebi, um belo dia, que o tempo não servia para nada, que ele não fazia nada. Ora, aquilo que não faz nada não é nada. Entretanto, eu me dizia, o tempo é alguma coisa. Logo, ele age. Que pode fazer? O simples bom senso respondia: o tempo é aquilo que impede que tudo seja dado de repente. Ele retarda, ou de preferência ele é retardamento. Ele deve, pois, ser, elaboração. Não seria então veículo de criação e de escolha? A existência do tempo não provaria ela que existe indeterminação nas coisas? O tempo não seria esta indeterminação mesma?
Se esta não é a opinião da maior parte dos filósofos, é que a inteligência humana é feita justamente para aprender as coisas pelo outro lado. Eu digo a inteligência, eu não digo o pensamento, eu não digo o espírito. Ao lado da inteligência existe, com efeito, a percepção imediata, para cada um de nós, de sua própria atividade e das condições nas quais ela se exerce. Chamam-no como quiserem; é o sentimento que nós temos de sermos os criadores de nossas intenções, de nossas decisões, de nossos atos, e por aí de nossos hábitos, de nosso caráter, de nós mesmos. Artesãos de nossa vida, artistas mesmo, quando nós o desejamos, trabalhamos continuamente para moldar, com a matéria que nos é fornecida pelo passado e pelo presente, pela hereditariedade e pelas circunstâncias, uma figura única, nova, original, imprevisível como a forma dada pelo escultor à argila.
BERGSON, Henri. Le possible et le réel. Essai publié dans la revue suédoise Nordisk Tidskrift en novembre 1930, in La pensée et le mouvant. Essais et conférences.(Recueil d’articles et de conférences datant de 1903 à 1923).
Se esta não é a opinião da maior parte dos filósofos, é que a inteligência humana é feita justamente para aprender as coisas pelo outro lado. Eu digo a inteligência, eu não digo o pensamento, eu não digo o espírito. Ao lado da inteligência existe, com efeito, a percepção imediata, para cada um de nós, de sua própria atividade e das condições nas quais ela se exerce. Chamam-no como quiserem; é o sentimento que nós temos de sermos os criadores de nossas intenções, de nossas decisões, de nossos atos, e por aí de nossos hábitos, de nosso caráter, de nós mesmos. Artesãos de nossa vida, artistas mesmo, quando nós o desejamos, trabalhamos continuamente para moldar, com a matéria que nos é fornecida pelo passado e pelo presente, pela hereditariedade e pelas circunstâncias, uma figura única, nova, original, imprevisível como a forma dada pelo escultor à argila.
BERGSON, Henri. Le possible et le réel. Essai publié dans la revue suédoise Nordisk Tidskrift en novembre 1930, in La pensée et le mouvant. Essais et conférences.(Recueil d’articles et de conférences datant de 1903 à 1923).
Alhos & Bugalhos
"Convém não confundir alhos, que são a metade prática da vida, com bugalhos, que são a parte ideológica e vã."
Machado de Assis
Fonte: Migalhas nº 2.500, de hoje.
Machado de Assis
Fonte: Migalhas nº 2.500, de hoje.
Achados entre as páginas
Ixe, já viu pato desquerer de toda água?!
.....
Havia, sim, os sub-valentões, sedentários de mão pronta e mau gênio, a quem, por garantia, todos gostavam de dar os filhos para batizar.
......
Nunca vi defunto tão esticado de comprido.
.........
Achados em GUIMARÃES ROSA, João. Sagarana, Livraria José Olímpio Editora, 18ª edição, Rio de Janeiro, 1976, vol. 1. Tudo o que ele escreve me aparece como assombração, como palavras redimencionadas, tipo esse desquerer aí em cima, ou o comprimento esticado do defunto.
27 de outubro de 2010
20 de outubro de 2010
Dúvida
Sutil e indefinível como a sensação de não reconhecer o óbvio, ainda que, obviamente, ele seja óbvio.
19 de outubro de 2010
18 de outubro de 2010
17 de outubro de 2010
Confiança
Aprendizado. Outros sentimentos por mais ardentes que sejam podem até se tornarem banais com o tempo. Mesmo prosaicos. Mudam, mudam-se, desgastam-se. Até aumentam de tamanho às vezes. Vão de um a dez, mesmo de um a cem. Mas confiança nunca sofre desgastes. Ou é inteira ou não é nada. A confiança é pragmática. Por isso algumas profissões implicam sempre em sigilo, sigilo que até a Lei protege e resguarda. Há um pacto nisso, e todo pacto é sagrado, ao menos no imaginário da humanidade há gerações e gerações. Feliz daquele que tem alguém a quem pode confiar um segredo, uma aberração, um sentido, uma dolorosa fraqueza, uma dor ou uma alegria. Ao longo da vida, encontramos todos os sentimentos uma vez ou outra, mas o mais raro e precioso dentre todos aqueles que o coração humano é capaz de abrigar é, sem dúvida alguma, a confiança. Encontrar alguém, uma só pessoa que seja ao longo de toda a vida, capaz de merecer a nossa confiança equivale a encontrar um tesouro.
Versos Íntimos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Augusto dos Anjos
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Augusto dos Anjos
13 de outubro de 2010
Sentimento, razão e experiência
O método experimental apóia-se sucessivamente sobre o sentimento, a razão e a experiência. O sentimento engendra a idéia ou a hipótese experimental, quer dizer, a interpretação antecipada dos fenômenos da natureza. Toda iniciativa experimental está na idéia, porque é ela que provoca a experiência. A razão ou o raciocínio servem apenas para deduzir as conseqüências desta idéia e submetê-las à experiência.
Claude Bernard
Claude Bernard
Crer na ciência
A primeira condição que deve preencher um sábio que se entregue à investigação dos fenômenos naturais é a de conservar uma inteira liberdade de espírito assentada sobre a dúvida filosófica. Não é preciso, todavia, ser cético; é preciso crer na ciência, ou seja, no determinismo, em relação ao absoluto e necessário das coisas, tanto quanto nos fenômenos próprios aos seres vivos quanto a todos os outros; mas é preciso, ao mesmo tempo, estar muito convencido de que nós não temos essa relação senão que de uma maneira mais ou menos aproximativa, e que as teorias que nós possuímos estão longe de representar verdades imutáveis. Quando nós fazemos uma teoria, geral em nossas ciências, a única coisa da qual nós estamos certos é de que todas essas teorias são falsas absolutamente falando. Elas não são senão verdades parciais e provisórias que nos são necessárias, como graus sobre os quais nós repousamos para avançar na investigação; elas não representam senão que o estado atual de nossos conhecimentos, e, por conseqüência, elas deverão se modificar com o crescimento da ciência, e tanto mais freqüentemente quanto as ciências estejam menos avançadas em sua evolução. De um outro lado, nossas idéias, assim como dissemos, nos vêm à vista de fatos que foram previamente observados e que nós interpretamos a seguir. Ora, causas de inúmeros erros podem introduzir-se em nossas observações, e malgrado toda nossa atenção e nossa sagacidade, não estamos jamais seguros de haver visto tudo, porque freqüentemente os meios de constatação nos faltam ou são muito imperfeitos. De tudo isso resulta, pois, que, se o raciocínio nos guia na ciência experimental, ele não nos impõe necessariamente suas conseqüências. Nosso espírito pode sempre permanecer livre para aceita-las ou discuti-las. Se uma idéia se apresenta a nós, não devemos repeli-la unicamente porque ela não esta de acordo com as conseqüências lógicas de uma teoria reinante. Podemos seguir nosso sentimento e nossa idéia, dar curso a nossa imaginação, visto que todas as nossas idéias são apenas pretextos para instituir novas experiências que possam nos fornecer fatos probantes ou inesperados e fecundos.
Claude Bernard
Claude Bernard
Falta pouco
Falta muito pouco para ver-se o mundo do lado de dentro da torre do castelo... Ou para se fechar a cortina e simplesmente não ver. Para que o mundo? O mundo, neste nosso caso, é um detalhe meramente circunstancial.
Contagem Regressiva
Não faltam muitos dias agora. Ainda assim, é como se o tempo passasse cada vez mais devagar. Deve ser para que se pense melhor. Para que se veja melhor.
12 de outubro de 2010
11 de outubro de 2010
Indústria da Cultura
O mundo fica cada vez mais espetacularmente feio.
8 de outubro de 2010
Do Desejo
E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.
Hilda Hilst, Do Desejo, 1992,
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.
Hilda Hilst, Do Desejo, 1992,
6 de outubro de 2010
Ravaisson
Jean-Gaspar-Félix Laché Ravaisson nasceu em 23 de outubro de 1813 em Namur. Tinha um ano apenas, quando sua família abandonou a cidade natal. Pouco tempo depois, ele perdia seu pai. Sua primeira educação foi dirigida por sua mãe e também por seu tio materno, Gaspard-Théodore Molien, do qual tomou o nome mais tarde. Numa carta datada de 1821, Molien escreve de seu pequeno sobrinho, então com a idade de oito anos: “Félix é um matemático completo, um antiquário, um historiador, tudo enfim”. Já se revelava na criança uma qualidade intelectual à qual deviam juntar-se, facilmente, muitas outras.
A filosofia grega, – diz Ravaisson, – explica primeiro todas as coisas por um elemento material: a água, o ar, o fogo ou alguma matéria indefinida. Dominada pela sensação, como o era no início a inteligência humana, ela não conhece outra intuição que não a intuição sensível nem outro aspecto das coisas que não a materialidade. Vieram então os pitagóricos e os platônicos que mostraram a insuficiência das explicações unicamente pela matéria, e tomaram por princípio os Números e as Idéias. Mas o progresso foi mais aparente que real. Com os números pitagóricos, com as idéias platônicas, está-se na abstração e, por sábia que seja a manipulação à qual se submetem esses elementos, permanece-se no abstrato. A inteligência, maravilhada pela simplificação que ela aporta ao estudo das coisas, em as agrupando sob idéias gerais, imagina, sem dúvida, penetrar através delas até a própria substância da qual as coisas são feitas. À medida que ela via mais longe na série de generalidades, acreditava elevar-se mais na escala das realidades. Mas o que ela toma por uma espiritualidade mais alta não é senão a crescente rarefação do ar que ela respira. Ela não vê que, quanto mais uma idéia é geral, mais ela é abstrata e vazia, e que, de abstração em abstração, de generalidade em generalidade, caminha-se para o nada. O mesmo vale ater-se aos dados dos sentidos, que não nos entregam, sem dúvida, senão uma parte da realidade, mas que nos deixam ao menos sobre o sólido terreno do real. Haveria outro caminho a seguir. Isso seria prolongar a visão do olho por uma visão do espírito. Isso seria, sem abandonar o domínio da intuição, quer dizer, das coisas reais, individuais, concretas, procurar, sob a intuição sensível, uma intuição intelectual. Isso seria, por um poderoso esforço de visão mental, atravessar o invólucro material das coisas e ir ler a fórmula, invisível ao olho, que desenrola e manifesta sua materialidade. Então apareceria a unidade que liga os seres uns aos outros, a unidade de um pensamento que nós veríamos, – da matéria bruta à planta, da planta ao animal, do animal ao homem, – reunir-se sob sua própria substância até que, de concentração em concentração, chegaríamos ao pensamento divino, que pensa todas as coisas e se pensa a si mesmo. Tal foi a doutrina de Aristóteles. Tal é a disciplina intelectual da qual ele forneceu a regra e o exemplo. Nesse sentido, Aristóteles é o fundador da metafísica e o iniciador de um certo método de pensar que é a própria Filosofia.
Mas não parece duvidoso que, do período compreendido entre 1835 e 1845, date o estudo mais aprofundado que ele fez da arte italiana da Renascença. E é ao mesmo período que se deve fazer remontar a influência que teve sobre ele o mestre que não cessou jamais de ser, aos seus olhos, a personificação mesma da arte: Leonardo da Vinci.
Há, no Tratado de Pintura de Leonardo da Vinci, uma página que Ravaisson gostava de citar. É aquela onde ele diz que o ser vivo se caracteriza pela linha ondulosa ou serpentina; que cada ser tem sua maneira própria de serpentear; e que o objetivo da arte é expressar esse serpenteamento individual.”O segredo da arte de desenhar é descobrir, em cada objeto, a maneira particular através da qual ele se dirige ao longo de toda sua extensão, tal como uma onda central que se desdobra em ondas superficiais, uma certa linha flexível que é como seu eixo gerador”. Esta linha pode, aliás, não ser nenhuma das linhas visíveis da figura. Ela não está mais aqui do que ali, mas ela dá a chave de tudo. Ela é menos percebida pelo olho que pensada pelo espírito. “A pintura, – dizia Leonardo da Vinci, – é coisa mental”. E acrescenta que é a alma que faz o corpo a sua imagem. A obra inteira do mestre poderia servir de comentário a essa frase. Detenhamo-nos perante o retrato de Monna Lisa ou mesmo diante daquele de Lucrezia Crivelli: não nos parece que as linhas visíveis da figura vão na direção de um centro virtual situado atrás da tela, onde se descobriria de um golpe, reunido numa só palavra, o segredo que nós jamais terminaríamos de ler, frase a frase, na enigmática fisionomia? É aí que o pintor está colocado. É desenvolvendo uma visão mental simples, concentrada neste ponto, que ele encontrou, traço por traço, o modelo que tinha sob os olhos, reproduzindo, à sua maneira, o esforço gerador da natureza.
A arte do pintor não consiste, pois, para Leonardo da Vinci, em detalhar cada um dos traços do modelo, para transportá-los à tela, reproduzindo, porção por porção, a materialidade. Ela não consiste, não mais, em figurar eu não sei que tipo impessoal e abstrato, onde o modelo que se vê e que se toca vem a dissolver-se numa vaga idealidade. A verdadeira arte visa a expressar a individualidade do modelo e, para isso, ela vai procurar, atrás das linhas que se vêem, o movimento que o olho não vê, atrás do próprio movimento, alguma coisa de mais secreta ainda, a intenção original, a aspiração fundamental da pessoa, pensamento simples que equivale à riqueza indefinida de formas e de cores.
Como não ser surpreendido pela semelhança entre esta estética de Leonardo da Vinci e a metafísica de Aristóteles, tal como Ravaisson a interpreta?
Fonte:Bergson, Henri La pensée et le mouvant. Essais et conférences. Presses Universitaires de France, 1950, 27ª edição, Paris, 1950, Capítulo IX. A Vida e a Obra de Ravaisson, tradução parcial.
A filosofia grega, – diz Ravaisson, – explica primeiro todas as coisas por um elemento material: a água, o ar, o fogo ou alguma matéria indefinida. Dominada pela sensação, como o era no início a inteligência humana, ela não conhece outra intuição que não a intuição sensível nem outro aspecto das coisas que não a materialidade. Vieram então os pitagóricos e os platônicos que mostraram a insuficiência das explicações unicamente pela matéria, e tomaram por princípio os Números e as Idéias. Mas o progresso foi mais aparente que real. Com os números pitagóricos, com as idéias platônicas, está-se na abstração e, por sábia que seja a manipulação à qual se submetem esses elementos, permanece-se no abstrato. A inteligência, maravilhada pela simplificação que ela aporta ao estudo das coisas, em as agrupando sob idéias gerais, imagina, sem dúvida, penetrar através delas até a própria substância da qual as coisas são feitas. À medida que ela via mais longe na série de generalidades, acreditava elevar-se mais na escala das realidades. Mas o que ela toma por uma espiritualidade mais alta não é senão a crescente rarefação do ar que ela respira. Ela não vê que, quanto mais uma idéia é geral, mais ela é abstrata e vazia, e que, de abstração em abstração, de generalidade em generalidade, caminha-se para o nada. O mesmo vale ater-se aos dados dos sentidos, que não nos entregam, sem dúvida, senão uma parte da realidade, mas que nos deixam ao menos sobre o sólido terreno do real. Haveria outro caminho a seguir. Isso seria prolongar a visão do olho por uma visão do espírito. Isso seria, sem abandonar o domínio da intuição, quer dizer, das coisas reais, individuais, concretas, procurar, sob a intuição sensível, uma intuição intelectual. Isso seria, por um poderoso esforço de visão mental, atravessar o invólucro material das coisas e ir ler a fórmula, invisível ao olho, que desenrola e manifesta sua materialidade. Então apareceria a unidade que liga os seres uns aos outros, a unidade de um pensamento que nós veríamos, – da matéria bruta à planta, da planta ao animal, do animal ao homem, – reunir-se sob sua própria substância até que, de concentração em concentração, chegaríamos ao pensamento divino, que pensa todas as coisas e se pensa a si mesmo. Tal foi a doutrina de Aristóteles. Tal é a disciplina intelectual da qual ele forneceu a regra e o exemplo. Nesse sentido, Aristóteles é o fundador da metafísica e o iniciador de um certo método de pensar que é a própria Filosofia.
Mas não parece duvidoso que, do período compreendido entre 1835 e 1845, date o estudo mais aprofundado que ele fez da arte italiana da Renascença. E é ao mesmo período que se deve fazer remontar a influência que teve sobre ele o mestre que não cessou jamais de ser, aos seus olhos, a personificação mesma da arte: Leonardo da Vinci.
Há, no Tratado de Pintura de Leonardo da Vinci, uma página que Ravaisson gostava de citar. É aquela onde ele diz que o ser vivo se caracteriza pela linha ondulosa ou serpentina; que cada ser tem sua maneira própria de serpentear; e que o objetivo da arte é expressar esse serpenteamento individual.”O segredo da arte de desenhar é descobrir, em cada objeto, a maneira particular através da qual ele se dirige ao longo de toda sua extensão, tal como uma onda central que se desdobra em ondas superficiais, uma certa linha flexível que é como seu eixo gerador”. Esta linha pode, aliás, não ser nenhuma das linhas visíveis da figura. Ela não está mais aqui do que ali, mas ela dá a chave de tudo. Ela é menos percebida pelo olho que pensada pelo espírito. “A pintura, – dizia Leonardo da Vinci, – é coisa mental”. E acrescenta que é a alma que faz o corpo a sua imagem. A obra inteira do mestre poderia servir de comentário a essa frase. Detenhamo-nos perante o retrato de Monna Lisa ou mesmo diante daquele de Lucrezia Crivelli: não nos parece que as linhas visíveis da figura vão na direção de um centro virtual situado atrás da tela, onde se descobriria de um golpe, reunido numa só palavra, o segredo que nós jamais terminaríamos de ler, frase a frase, na enigmática fisionomia? É aí que o pintor está colocado. É desenvolvendo uma visão mental simples, concentrada neste ponto, que ele encontrou, traço por traço, o modelo que tinha sob os olhos, reproduzindo, à sua maneira, o esforço gerador da natureza.
A arte do pintor não consiste, pois, para Leonardo da Vinci, em detalhar cada um dos traços do modelo, para transportá-los à tela, reproduzindo, porção por porção, a materialidade. Ela não consiste, não mais, em figurar eu não sei que tipo impessoal e abstrato, onde o modelo que se vê e que se toca vem a dissolver-se numa vaga idealidade. A verdadeira arte visa a expressar a individualidade do modelo e, para isso, ela vai procurar, atrás das linhas que se vêem, o movimento que o olho não vê, atrás do próprio movimento, alguma coisa de mais secreta ainda, a intenção original, a aspiração fundamental da pessoa, pensamento simples que equivale à riqueza indefinida de formas e de cores.
Como não ser surpreendido pela semelhança entre esta estética de Leonardo da Vinci e a metafísica de Aristóteles, tal como Ravaisson a interpreta?
Fonte:Bergson, Henri La pensée et le mouvant. Essais et conférences. Presses Universitaires de France, 1950, 27ª edição, Paris, 1950, Capítulo IX. A Vida e a Obra de Ravaisson, tradução parcial.
Quem? Ora, Jeremy Benthan!
Bem, parece que virou desconhecido, mas Benthan foi um famoso "quem", sim, senhor! Até eu falei dele, e não faz tanto tempo assim, embora, particularmente, não seja nem um pouco apaixonada por suas idéias. Fácil! Aposto que dá para lembrar bem agora, lendo esta nota que coloquei lá nas Transformações do Direito.
“A maior felicidade possível para o maior número possível de pessoas” — este era o lema com o qual Bentham define o utilitarismo, doutrina por ele criada, cujo fim era a obtenção do bem-estar do indivíduo pela organização pragmática da sociedade. Jeremy Bentham nasceu em Londres em 15 de fevereiro de 1748. Ele estudou direito em Oxford, formando-se em 1772. Em sua obra An Introduction to the Principles of Morals and Legislation (1789) expôs a doutrina do utilitarismo, cuja base era o reconhecimento de que o mundo é regido por dois princípios: prazer (bem) e dor (mal). Como esse fato é incontestável, a ordem social e moral deve buscar a utilidade, ou melhor, aquilo que produz o bem do indivíduo ou, pelo menos, evita uma dor desnecessária. Para tanto, é preciso que se crie uma ordem de valores, de acordo com a utilidade de cada um, optando-se pragmaticamente pelos que possam produzir o maior bem para o maior número de pessoas.
O castigo, assim, que produz dor e não bem-estar, só deve ser empregado para prevenir males maiores. Bentham contribuiu para que diversos países adotassem mudanças em suas leis penais e processuais. Em 1823 participou da fundação da Westminster Review e formou a seu redor um grupo de discípulos, entre eles o filósofo John Stuart Mill, que perpetuou sua doutrina ao longo do século XIX. Escreveu uma teoria das penas e das recompensas, obra da qual possuo cópia integral da edição belga de 1840. Morreu em Londres, em 6 de junho de 1832.
Diferir
Existir é diferir. Nossas semelhanças, que o sábio estuda, nossas mútuas imitações, não são senão um meio de pôr em relevo nossa diferença essencial, delícias de artista, única razão de ser de nosso ser. Eis aí aquilo que pertence ao filósofo demonstrar, se ele quiser cumprir sua missão inteiramente, que não é apenas a de sublimar a ciência e destilar a arte, mas combinar, em suas fórmulas, todo o suco de uma com a essência da outra.
G. Tarde
Observação: Eu já declarei minha paixão por Gabriel Tarde muitas vezes, paixão que persiste cada vez forte, na medida em que, mais de cem anos depois de sua morte, nenhuma outra percepção de mundo me parece tão surpreende e instigante quanto a dele. Embora complexo e exigindo muito de seus leitores, o esforço é plenamente compensado, e o contato com sua obra realiza uma verdadeira revolução de idéias, como se nos abrisse um novo sentido, aquele que, sem deter-se nas coisas tais como são, nos torna ávidos por contemplar o avesso dessas mesmas coisas.
G. Tarde
Observação: Eu já declarei minha paixão por Gabriel Tarde muitas vezes, paixão que persiste cada vez forte, na medida em que, mais de cem anos depois de sua morte, nenhuma outra percepção de mundo me parece tão surpreende e instigante quanto a dele. Embora complexo e exigindo muito de seus leitores, o esforço é plenamente compensado, e o contato com sua obra realiza uma verdadeira revolução de idéias, como se nos abrisse um novo sentido, aquele que, sem deter-se nas coisas tais como são, nos torna ávidos por contemplar o avesso dessas mesmas coisas.
Modernidade
A Modernidade consiste neste movimento político e filosófico que vem acontecendo nos últimos três séculos da história ocidental e que, portanto, abrange nossas vidas.
Eis os cinco processos convergentes que caracterizam a modernidade:
a individualização, pela destruição das antigas comunidades de pertinência;
a massificação, pela adoção de comportamentos e de modos de vida estandardizados;
a dessacralização, pelo refluxo das grandes pregações religiosas em proveito de uma interpretação científica;
a racionalização, pela dominância da razão instrumental através da troca de mercadorias e da eficácia técnica,
a universalização, pela extensão planetária de um modelo de sociedade implicitamente colocada como único possível racionalmente, logo, como superior.
Dentro desses processos caracterizadores da modernidade, a humanidade é aí percebida como uma soma de indivíduos racionais que, por interesse, por convicção moral, por simpatia ou ainda por temor, são chamados a realizar sua unidade na história. Nesta perspectiva, a diversidade do mundo torna-se um obstáculo, e tudo aquilo que diferencia os homens é percebido como acessório ou contingente, ultrapassado ou perigoso.
Fonte: BENOIST e CHAMPETIER. Manifeste : la Nouvelle Droite de l'an 2000, Eléments n°94, février 1999.
Eis os cinco processos convergentes que caracterizam a modernidade:
a individualização, pela destruição das antigas comunidades de pertinência;
a massificação, pela adoção de comportamentos e de modos de vida estandardizados;
a dessacralização, pelo refluxo das grandes pregações religiosas em proveito de uma interpretação científica;
a racionalização, pela dominância da razão instrumental através da troca de mercadorias e da eficácia técnica,
a universalização, pela extensão planetária de um modelo de sociedade implicitamente colocada como único possível racionalmente, logo, como superior.
Dentro desses processos caracterizadores da modernidade, a humanidade é aí percebida como uma soma de indivíduos racionais que, por interesse, por convicção moral, por simpatia ou ainda por temor, são chamados a realizar sua unidade na história. Nesta perspectiva, a diversidade do mundo torna-se um obstáculo, e tudo aquilo que diferencia os homens é percebido como acessório ou contingente, ultrapassado ou perigoso.
Fonte: BENOIST e CHAMPETIER. Manifeste : la Nouvelle Droite de l'an 2000, Eléments n°94, février 1999.
3 de outubro de 2010
Tentativa
― Por que você pelo menos não tenta perceber o mundo em vez de pensá-lo? Não é uma questão de entender e menos ainda uma questão de aceitar. Entender e aceitar são formas de fechar-se. Não é isso. É uma questão de perceber. De perceber por dentro. Por que você pelo menos não tenta?
.........................................................................................................................................................................
R.: (De) formação, simples deformação. Um dia eu aprendo.
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― Foi deformando o que pensava ver e saber que Picasso aprendeu a perceber o mundo. Deforme-se, então, empregando a forma reflexiva. Ou apregoe por aí que é preciso desentortar os quadros de Picasso. Ou gente como eu, pela correção ou pela cura.
2 de outubro de 2010
1 de outubro de 2010
Ângelo Roque Dorta
Ângelo Roque Dorta, meu amigo Roque, acho que a única pessoa neste mundo que ostenta a tal originalidade irredutível do ser. Roque, que fala de si na terceira pessoa do singular, consegue ser ele mesmo a despeito do mundo, das normas, das regras, de tudo. Ainda assim, filosofa e cria essas legendas de vida, quando menos se espera.
Agora me veio com esta: tem dia que falta sol.
E tem mesmo, não tem, Roque?
Vou te ver. Pode esperar. Não tenho sol nenhum para levar ao teu dia, mas vou. Daí a gente proseia e tira retrato.
30 de setembro de 2010
Gêneros de Primeira Necessidade
01. Silêncio na hora do samba, do carnaval, dos festejos pela vitória do outro time.
02. Teus olhos em mim, por dentro.
03. Uma caixa para eu colocar nela guardanapos de papel, lembranças, passagens, bilhetes, fotografias, recortes, entradas e tantos outros pedaços de saudade.
04. Qualquer lugar onde eu não atrapalhe, mesmo que seja muito frio e escuro por lá.
05. Etc.
27 de setembro de 2010
Sonetos que não são
Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha.)
Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel
Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.
( Roteiro do Silêncio(1959) - Sonetos que não são - I)
HILST, Hilda. Do Amor - São Paulo: Massao Ohno Estúdio - Edith Arnhold / Editores, 1999.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha.)
Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel
Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.
( Roteiro do Silêncio(1959) - Sonetos que não são - I)
HILST, Hilda. Do Amor - São Paulo: Massao Ohno Estúdio - Edith Arnhold / Editores, 1999.
10 de setembro de 2010
Indefinível
Que canto há de cantar o indefinível?
O toque sem tocar, o olhar sem ver
A alma, amor, entrelaçada dos indescritíveis.
Como te amar, sem nunca merecer?
Amar o perecível,
o nada,
o pó,
é sempre despedir-se.
Hilda Hilst (1930-2004)
O toque sem tocar, o olhar sem ver
A alma, amor, entrelaçada dos indescritíveis.
Como te amar, sem nunca merecer?
Amar o perecível,
o nada,
o pó,
é sempre despedir-se.
Hilda Hilst (1930-2004)
8 de setembro de 2010
Rosh Hashanah
Rosh Hashanah, Ano Novo
Comemora-se hoje o início do ano 5.771.
Entre as tradições, deve-se comer uma maçã com mel para ter um ano doce.
Shana Tova!
Comemora-se hoje o início do ano 5.771.
Entre as tradições, deve-se comer uma maçã com mel para ter um ano doce.
Shana Tova!
Bebelle
A Sra. Lupin, mulher sem a menor espécie de educação, só aparecia nas grandes ocasiões, sob a forma de uma enorme pipa de Borgonha, vestida de veludo e dominada por uma cabecinha que se afundava em espáduas de cor duvidosa. Nenhum processo podia manter-lhe o cinto no lugar próprio. Bebelle confessava ingenuamente que a prudência lhe proibia usar colete. Enfim, nem mesmo a imaginação de um poeta, ou melhor, de um inventor, teria achado nas costas de Bebelle traços da sedutora sinuosidade que aí produzem as vértebras, em todas as mulheres realmente mulheres.
BALZAC, Honoré. A Comédia Humana. Os Camponeses, Vol. XIII, Ed. Globo, Porto Alegre, 1952, p. 211.
7 de setembro de 2010
Os Filhos do Espanto
Nossa arte é a cegueira causada pela verdade. Unicamente a claridade sobre o rosto que se crispa e retrocede é verdeira, o resto é mentira.
Franz KafkaO filho do espanto é um solitário esmagado por sua solidão. Vimos que a sensibilidade do homem solitário sofre, antes de mais nada, um choque com a desarmonia fundamental da realidade, seu absurdo, que lhe traz, propriamente, a consciência da solidão. A fidelidade a esse primeiro momento de pasmo denuncia o filho do espanto como o homem impotente para erguer-se de seu dramático desamparo. Tal impotência aponta, nele, um esgotamento nas suas intuições originais, um ser sempre mais sensível que reflexivo. O filho do espanto é, por isso, um puro artista, isento das exigências de soluçoes claras e definidas do filósofo. Franz Kafka é ainda o maior deles, o grande angustiado de nosso tempo.
Franz KafkaO filho do espanto é um solitário esmagado por sua solidão. Vimos que a sensibilidade do homem solitário sofre, antes de mais nada, um choque com a desarmonia fundamental da realidade, seu absurdo, que lhe traz, propriamente, a consciência da solidão. A fidelidade a esse primeiro momento de pasmo denuncia o filho do espanto como o homem impotente para erguer-se de seu dramático desamparo. Tal impotência aponta, nele, um esgotamento nas suas intuições originais, um ser sempre mais sensível que reflexivo. O filho do espanto é, por isso, um puro artista, isento das exigências de soluçoes claras e definidas do filósofo. Franz Kafka é ainda o maior deles, o grande angustiado de nosso tempo.
MACIEL, Luiz Carlos. Samuel Beckett e a solidão humana, Instituto Estadual do Livro, 1959, p. 41.
6 de setembro de 2010
Explicação
Tem coisas deprimentes que escrevo e que assustam quem gosta de mim. É que escrevo sem explicar. Daí contei do livro que, quando dá, quando posso, quando tenho tempo, quando me dão tempo e paz, eu escrevo aos poucos. E contei de Rebeca, meu alter ego, personagem dramática deste livro que não está pronto ainda. Rebeca Mazzalli é seu nome. E ela se faz passar por racional, embora no fundo seja tão mística quanto os místicos e ocultistas que a cercam no romance. Rebeca tem falas no livro, onde dá margem sempre a interpretações, porque ela simboliza um feminino que não se revela. Daí falar por metáforas. Eu lanço aqui no blog muitas falas de Rebeca. E como sou eu que as escrevo, não cito autor, naturalmente, pois a autora sou eu, embora a fala seja dela. Entenderam? Não? Simples. Sou eu, mas não sou. Certo?
Bem, é muito chato explicar o livro, como também seria muito chato explicar um quadro, mas eu não queria deixar ninguém triste, não. De jeito nenhum!
Até porque, seja como for, hoje ainda é segunda com cara de sexta e, com ou sem dor de cabeça, com ou sem pressão alta, com ou sem sal de frutas para baixar o sapão verde que engoli hoje, com ou sem aquele balaio cheio de outros sapos verdes e grandes que a gente tem de engolir, ainda assim é bom descobrir que, milagrosamente, alguém se lembra da gente... só para mim.
Bem, é muito chato explicar o livro, como também seria muito chato explicar um quadro, mas eu não queria deixar ninguém triste, não. De jeito nenhum!
Até porque, seja como for, hoje ainda é segunda com cara de sexta e, com ou sem dor de cabeça, com ou sem pressão alta, com ou sem sal de frutas para baixar o sapão verde que engoli hoje, com ou sem aquele balaio cheio de outros sapos verdes e grandes que a gente tem de engolir, ainda assim é bom descobrir que, milagrosamente, alguém se lembra da gente... só para mim.
Hora do adeus
Tem horas que a lucidez nos vem de pronto.
5 de setembro de 2010
Apesar de
... uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteiro, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.
Clarice Lispector
É, como diz a minha amiga Criss, só podia ser Clarice. Como é que esta mulher fala tudo sem dizer quase nada?
Clarice Lispector
É, como diz a minha amiga Criss, só podia ser Clarice. Como é que esta mulher fala tudo sem dizer quase nada?
4 de setembro de 2010
Surpresa
Eu não esperava. Olhei, e foi como receber uma porção de asqueroso escarro em plena face. Paralisou-me primeiro. Enojou-me depois, profundamente.
3 de setembro de 2010
Saudade
Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.
Clarice Lispector
31 de agosto de 2010
Não sejas
Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontens...
não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabes que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade.
És tu.
Cecília Meireles
Não suspires por ontens...
não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabes que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade.
És tu.
Cecília Meireles
28 de agosto de 2010
Diálogo
[1] Um dia, em que comecei a refletir acerca dos seres, e meu pensamento deixou-se planar nas alturas enquanto meus sentidos corporais estavam como que atados, como acontece àqueles atingidos por um sono pesado pelo excesso de alimentação ou de uma grande fatiga corporal, pareceu que se me delineava um ser de um talhe imenso, além de toda medida definível, que me chamou pelo meu nome e disse: "Que desejas ouvir e ver, e pelo pensamento aprender a conhecer?" [2] E eu lhe disse "Mas tu, quem és?". - "Eu", disse ele, "eu sou Poimandres, o Noús da Soberania absoluta. Eu sei o que queres e estou contigo em todo lugar". [3] E eu disse: "Quero ser instruído sobre os seres, compreender sua natureza, conhecer Deus. Oh! como desejo entender!" Respondeu-me ele por sua vez: "Mantém em teu intelecto tudo o que desejas aprender e eu te instruirei."
CORPUS HERMETICUM de Hermes Trismegisto
CORPUS HERMETICUM de Hermes Trismegisto
26 de agosto de 2010
Recorte
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