407
Era uma vez uma sala que deveria servir para escritório de advocacia. No entanto, nunca consegui deixar isso com jeito de escritório, porque acabou por se tornar o lugar para onde trouxe meus livros, revistas, arquivos, coisas e mais coisas que fui colecionando ao longo da vida. Tem quadros, papéis, originais de poesias que nunca mostrei a ninguém, fotografias de todos os falecidos da família, quadros pintados por mim, relógios parados, pratos de parede que foram de minha avó Josephina Mazzalli Bleggi, fora a poeira, os ácaros, as traças e, naturalmente, habitantes misteriosos, duendes acho, que às vezes escondem livros ou os misturam, trocando-os de lugar nas prateleiras. Fora os fantasmas dos escritores. Todos vivendo aqui, onde encontram repouso e muito afeto, carinho e atenção. Tem livros dos quais quase ninguém mais se lembra e ainda almanaques antigos, tudo com papéis por dentro, listas de compras, santinhos, bilhetes, recortes e margens anotadas, palavras sublinhadas, textos marcados por mim ou por outros aos quais eles já pertenceram. É a 407. Misteriosa, diz quem passa pelo corredor do prédio comercial e espia aqui para dentro, observando os quadros, os móveis velhos, as estantes repletas de livros já em fila dupla. Perguntam se aqui se vê a sorte, se sou cartomante, se vendo quadros, se compro livros... Enfim, a 407 é mesmo o lar das Traças, Ácaros & Cia.
Bem-vindos, leitores.