25 de setembro de 2008

AS CARTAS II

Carta de Francisco para Maria de 03/10/1924.
Maria
Pensei ter coragem bastante para suportar tão longo tempo sem ver-te. No entanto, eu sofro. Minhas penas, a gemer dentro do meu peito, cantam a canção da dor. Vivo os meus dias a pensar em ti. E só a memória trabalha. Nosso pe
queno passado desenrola-se aos meus olhos. E a memória põe-se então a alumiar os quadros mais vivos da minha história romântica de rapaz simples e sentimental. E ela começa a dizer a legenda de cada um. Foi um olhar... foi um gesto... foi uma promessa... Naquela manhã, no passeio de um jardim...as nossas mãos enlaçadas...Depois numa noite, uma rusga...uma lágrima...um perdão... E uma chusma de coisas mais que eu só poderei dizer de viva voz, explicadas pela expressão dos olhos e dos movimentos...
Amo-te muito, e mando-te todo o meu amor, toda a minha saudade, todos os meus desejos eternos.
Nada temas da Revolução. Os revolucionários, segundo notícias dos jornais, estão acampados na fronteira de Mato Grosso com o Paraguai, e as forças legais estacionaram no Paraná para evitar a sua passagem para o sul.
Manda dizer a hora da missa em que vais fazer a primeira comunhão. Escrevo-te à pressa. Cláudio está à espera desta carta para colocá-la no Correio.
do teu
Francisco
3-10-924


Observações:Atualizei a ortografia. Há cartas anteriores a esta data, o que indica que o romance começou antes. De 1923 existem diversas poesias escritas a lápis. Papéis dobrados que indicam que essas poesias escritas entre julho e agosto de 23 não eram remetidas via correio. Muitas das cartas, por sua vez, as quais possuo com os respectivos envelopes selados, eram dirigidas a outra pessoa, ou seja, não eram remetidas diretamente à Maria. O romance tinha pelo menos uma cúmplice.
Curiosa com a menção a um movimento revolucionário. Desconfio que fosse reflexo do tenentismo, que data de julho de 1924. Todavia, só um historiador bem versado nas coisas da Velha República poderia explicar com certeza esta referência de Francisco, não é mesmo Professor?