28 de setembro de 2008

AS CARTAS IV



Poema de Francisco para Maria escrito a 25 de julho de 1923.
Filosofia Sentimental
E insistes em querer dizer que és minha! E me olhas
fixamente, de um modo assim de quem espera
um gesto, um olhar... Mas eu não sei se és sincera,
se não são falsas as palavras que desfolhas...

E te moves num gesto, e neste gesto eu sinto
todo o mal e a dor que me faz essa incerteza.
— Sim, porque, às vezes, isso é simples gentileza
que toda mulher tem somente por instinto....

E eu sofro tanto com essa duvida, tanto!
Certas vezes, ensaio um olhar bem profundo,
agudo e longo, que te devassa a alma fundo,
e, ingenuamente, recuo, louco de espanto.

E isso, querida, só porque tenho receio
das profundezas que guardam certas verdades.
Muitas vezes, a flor das infelicidades,
perversamente, tem a verdade do seio!...

25 de julho de 1923

Observações:De todos os papéis, este é o único que foi amassado com força algum dia, e depois alisado novamente. São duas poesias, esta, do dia 25 e outra, do dia 27, ambas escritas numa mesma página e noticiando o que parece ser uma crise de dúvidas e incertezas que Francisco coloca em versos belos, bastante filosóficos. Eis a segunda poesia, da qual, entretanto, consta uma palavra cujo significado me escapa: store. Pelo contexto, parece-me ser um tipo de equipamento de iluminação utilizada nos anos 20, quem sabe, uma lanterna à base de acetileno, comum nesse tempo, segundo Dona Genny, minha mãe, a quem consultei a propósito desta dúvida.

Minueto de uma Noite de Chuva
Chove prata. Na sala, onde escrevo à luz de ouro
do store, há pelo ambiente um esgarçar de sedas...
e, no ar, cuido sentir, esvoaçando, ledas,
as asas de cetim de encantado besouro:

São versos que componho ao céu do teu olhar,
à sombra de teu vulto indolente, de pluma,
à luz de teu sorrir, feito todo de espuma,
ao som de tua voz cristalina, de luar.

São versos em que falo em minha dor fremente,
em tudo o que vivi, e que amei e perdi,
em tudo o que passou, em tudo o que sofri,
numa ronda sem fim, longa e perdidamente...
.......................................................................
Enquanto as horas vão caindo, silenciosas...
e eu penso em ti, em minha pobre alma dorida,
em nosso triste amor, em minha infeliz vida...

E as finas gotas de chuva rolam, chorosas...

27 de julho de 23.