Há quase cinqüenta anos eu era muito ligado à filosofia de Spencer. Percebi, um belo dia, que o tempo não servia para nada, que ele não fazia nada. Ora, aquilo que não faz nada não é nada. Entretanto, eu me dizia, o tempo é alguma coisa. Logo, ele age. Que pode fazer? O simples bom senso respondia: o tempo é aquilo que impede que tudo seja dado de repente. Ele retarda, ou de preferência ele é retardamento. Ele deve, pois, ser, elaboração. Não seria então veículo de criação e de escolha? A existência do tempo não provaria ela que existe indeterminação nas coisas? O tempo não seria esta indeterminação mesma?
Se esta não é a opinião da maior parte dos filósofos, é que a inteligência humana é feita justamente para aprender as coisas pelo outro lado. Eu digo a inteligência, eu não digo o pensamento, eu não digo o espírito. Ao lado da inteligência existe, com efeito, a percepção imediata, para cada um de nós, de sua própria atividade e das condições nas quais ela se exerce. Chamam-no como quiserem; é o sentimento que nós temos de sermos os criadores de nossas intenções, de nossas decisões, de nossos atos, e por aí de nossos hábitos, de nosso caráter, de nós mesmos. Artesãos de nossa vida, artistas mesmo, quando nós o desejamos, trabalhamos continuamente para moldar, com a matéria que nos é fornecida pelo passado e pelo presente, pela hereditariedade e pelas circunstâncias, uma figura única, nova, original, imprevisível como a forma dada pelo escultor à argila.
BERGSON, Henri. Le possible et le réel. Essai publié dans la revue suédoise Nordisk Tidskrift en novembre 1930, in La pensée et le mouvant. Essais et conférences.(Recueil d’articles et de conférences datant de 1903 à 1923).