Não que eu me importe. Afinal, não é da minha conta. Com tanta coisa para ocupar meu tempo, tantas coisas mais importantes. Quem liga? Olhei pela janela e vi apenas o de sempre. O gosto do café também era o mesmo e a roupa de ontem serve para hoje. Os objetos ocupam seus lugares e não ousariam fazer diferente. O som do rádio na mesma estação ecoa as mesmas vozes. Provavelmente estão dizendo as mesmas coisas que disseram ontem. Não, extamente. Que ontem foi domingo. Domingos não contam. A inutilidade não conta.
É inacreditável, mas, para muita gente, isso faz todo sentido. Não para mim. Importa-me o dia. A segunda. E é da minha conta, sim, que a semana comece no dia do aniversário do Bruno. Ele não sabe mais que é seu aniversário. Porque ele morreu. Sei que isso acontece com todo mundo, mas faz toda a diferença, quando acontece com quem não é todo mundo. Absolutamente. E, além de ser segunda, também acordei sem nada que me doesse no corpo. E também não estou gorda. Certo que passei dos 50, mas permaneço abaixo dos 51, o que me libera o pão. E também a torta de maçã que sobrou de ontem. Olhei pela janela e vi sol. E isso importa, porque as toalhas de banho vão secar ao sol. E há ventos de primavera. Sim, faz diferença. O gosto do café não é o mesmo, apesar de ser o café de sempre. Só que poderia não ser, pois ontem ganhei um café especial que poderia passar no lugar do café de sempre. Mas, como não passei, o de sempre não é mais o de sempre, exatamente, porque poderia não ser. E, não, as coisas não são as mesmas de sempre, pois há flores na casa. Em presença de flores, a casa fica diferente. Há mais alguém nos cachepots. Os de prata agora portam flores. De quebra, trouxe hortelã para casa. A planta desmaiou, é verdade, mas agora animou-se e está lá na copa. Parece que percebe minha presença, pois me lança perfume. Como se me perguntasse quando vou tratar de fazer um quibe com ela. – Ah, preciso da cebola e do trigo. Do guisado também. ― Anoto mentalmente as compras. O rádio. Não são as mesmas coisas. O mundo mudou um pouco desde a semana passada. Parece que esta semana menos gente vai morrer. É uma semana nova. E começou no domingo, que para mim não foi inútil. De qualquer sorte, mesmo que fosse, para mim, até a inutilidade conta. Afinal, é nestas horas inúteis como a de agora mesmo que escrevo coisas assim. Só pra te contar que não esqueci do dia 13 de outubro. Não esqueci do teu aniversário. E continuo sabendo o que fazer com nada. Transformando coisas em coisa nenhuma. Porque o que é inútil, justamente por isso, pode ser qualquer coisa. E isso é muita coisa. Horas inúteis têm abundância. Mas isso não é para todo mundo. É para poucos. Muito poucos.