27 de outubro de 2025

Escrever

Escrevo para não desaparecer. Há quem viva a partir das ordens do mundo: seja gentil, sorria, trabalhe, repita. Obedeça. Vozes externas que se infiltram em nosso corpo, mente, espírito. Alma? ―Terei uma? ― Vozes insistentes. Para dizer como devo ser, o que devo sentir, o que é bom ou ruim. E eu me vejo obrigada a ser paciente, cortês, a conter a irritação diante da mesmice que só sabe ser óbvia. Gente que fala alto, que invade, que pergunta. Gente que existe apenas pelo reflexo do que o mundo aponta. São espelhos polidos: devolvem o vazio com brilho.

Assusta-me essa normalidade que tudo absorve. O risco de me tornar obediente, repetitiva, sem curiosidade. É o que me faz escrever. Resistir ao contágio que pretende ordenar o conforto que encontro no meu próprio caos. Meu delicioso caos feito de todas as impressões, sempre novas, a cada instante. Quando escrevo, algo se alinha, ainda que de modo precário. É o instante em que escolho o sentido que vou dar ao que for. O que for será. Eu decido o que será. O que farei do ruído da freada que vem lá de fora. Se eu abrir a janela. Não abro. Sigo aqui, pois o cursor do Word pulsa e seu pulsar é incessante. Um convite. Um convite novo e transformado. Porque antes era o atrito da ponta da caneta no papel. Mas isso antes de me fazer digital. Vida de quando eu era analógica.

Escrevo porque há infinitas impressões que demandam forma. E eu posso lhes conferir essa forma. Dar consistência ao cheiro de bolo. À freada de há pouco. A palavra prova o que for. Com ela se mente e se desmente. Mas, penso eu, deve obedecer à gramática. Não com tão estrita observância como dantes. Mas, soe que assim seja. Por vezes.

Palavra é código que se transmuta em corpo, textura e voz. Posso calar-me e permanecer. Pouco me importa ser eu no mundo onde melhor que não fosse. Posso calar minha voz que já fala baixo. Menos aqui, pois se quiser eu grito. Silenciosamente.