12 de outubro de 2018

A Senhora Samoris, por Maupassant

"A Senhora Samoris é uma mulher da alta sociedade, e tem uma filha sem que saiba quem é o pai. Em todo caso, se não teve marido, tem amantes bastante discretamente, pois é recebida numa certa sociedade tolerante ou cega. 
Frequenta a igreja, recebe os sacramentos recolhidamente, mas de forma a que os outros saibam, e jamais se compromete. Espera que sua filha faça um bom casamento. É isso?
― É, mas eu completo o seus dados: é uma mulher experimentada, que se faz respeitar por seus amantes mais do que se não dormisse com eles. É um mérito raro, porque dessa forma se obtém o que se quiser de um homem. Aquele que ela escolhe, sem que ele saiba, faz-lhe a corte durante muito tempo, deseja-a com temor, solicita-a com pudor, obtém-na com assombro e a possui com consideração. Nem percebe que a paga, tal o tato que ela usa; e de dignidade, de decência, que, saindo de sua cama, ele esbofetearia o homem capaz de suspeitar da virtude de sua amante. E isso com a maior boa fé do mundo."

MAUPASSANT, Guy de. Obras de Guy de Maupassant. A Baronesa. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1953, XI v., p. 62/63.
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Ando relendo Maupassant e, como sempre, reler é redescobrir sutilezas. Sua obra nos presenteia com retratos de uma precisão que impressiona, ainda mais quando nos damos conta de que são generalizáveis, a ponto de termos todos a impressão de que conhecemos a Senhora Samoris, quando não, no que ela tem de sonsa. Porque só uma verdadeira sonsa pode inspirar temor no desejo, pudor na súplica, assombro na conquista e consideração na posse. E, se aquele que é admitido em sua intimidade nem percebe que a paga, eis que temos aí revelado, em poucas palavras, o poder de manipulação que permeia questões de gênero que, para serem bem analisadas, requerem muito mais do que a boçalidade do senso comum.
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