Ernesto Sábato (1911-2011) nasceu em Rojas, na Argentina. Diria dele que é complexo como escritor, porque sua imaginação não conhece limites. Quem já o leu, que o diga. E quando pensamos que era um cientista que saiu das exatas ― estudou física e matemática na Argentina e em Paris ― para a literatura, essa transição me parece assustadora, ainda mais quando se pensa que ele não encontrou nem na lógica nem na precisão as respostas que buscou para sua existência e a de seus personagens talvez. De sua obra, ele mesmo falou que veio de um espírito contraditório, manifestando-se melhor na ficção do que no ensaio.
Com diferentes personagens e seus desgarramentos interiores a ficção lhe permitia expressar seu mundo interior em sua diversidade e unidade. Tem-se, assim, que ele próprio se via como paradoxal. Não menos do que alguns de seus personagens. Juan Pablo Castel, por exemplo, saído de “El túnel” (1948) é um pintor solitário que comete um crime passional. Do célebre "Sobre héroes y tumbas" (1961), a temática varia entre a decadência e a redenção. Fernando Vidal Olmos, personagem que sofre com obsessões, busca por significado em um mundo que absurdo. Influenciado por teorias conspiratórias, acredita na existência de uma sociedade secreta composta por cegos que controlam o mundo. Ele representa o extremo do indivíduo entregue à loucura, que dá a ver toda a complexidade da mente humana em sua condição existencial, tema central de sua obra, assim como a dualidade: o bem e o mal que refletem os dilemas morais da humanidade.
Em “El escritor e sus fantasma”, ele nos leva a passeio pela literatura. Não é um livro estruturado e tenso, como às vezes podem ser os seus escritos. Há muito do autor nessa obra, na qual ele conta ao leitor o que sentiu, suas perplexidades e preferências. Sobre estilo, por exemplo, fala-nos que enquanto a ciência é genérica, a arte é individual, razão por que há estilo na arte e não na ciência. Radical por vezes, não hesita em opinar: “Se vem dinheiro por nossa obra, está bem. Mas escrever para ganhar dinheiro é uma abominação. Esta abominação se paga com o abominável produto que assim se engendra.”
Do ponto de vista político, a presença do crítico social se faz sentir na abordagem da corrupção e dos abusos de poder, discurso que lhe assinou destacado papel junto à Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (CONADEP), de onde se originou o "Nunca Más". Nesse sentido, o valor da memória, que ele explora magistralmente como tema: "Porque a memória é o que resiste ao tempo e a seus poderes de destruição, e é algo assim como a forma que a eternidade pode assumir nesse incessante trânsito. E ainda que nós (nossa consciência, nossos sentimentos, nossa dura experiência) nos modifiquemos com os anos, e também nossa pele e nossas rugas vão se convertendo em prova e testemunho desse trânsito, há algo em nós, bem lá dentro, em regiões muito escuras, aferrado com unhas e dentes à infância e ao passado, à raça e à terra, à tradição e aos sonhos, que parece resistir a esse trágico processo: a memória, a misteriosa memória de nós mesmos, do que somos e do que fomos." (Do romance Sobre heróis e tumbas)