30 de junho de 2024

A Oncinha Dourada


ERA UMA VEZ, no tempo em que os animais falavam, uma fada muito bonita, de cabelos longos e dourados, que morava em um castelo no meio de uma floresta, tendo como companhia apenas um anãozinho que também era mágico, e que tomava conta do castelo para ela. Uma fada poderosa, que vivia sozinha no imenso castelo, com torres que tocavam as nuvens, e em cujas cercanias havia um lindo bosque, depois uma mata e depois a floresta sombria, escura, daquelas que tem até pântanos e feras. Tudo era habitado pelos muitos animais viviam por ali, todos falando uma língua que podia ser perfeitamente entendida pela fada, pois essa história se passa no tempo em que havia entendimento entre homens e bichos, e no tempo em que a magia também era acreditada e praticada livremente.
A fada cuidava dos bichos todos que viviam na floresta, bichos que ela visitava regularmente, todas as semanas. Numa manhã, pediu ao anãozinho mágico que lhe separasse roupas com as quais visitaria a floresta, o que ele prontamente fez, arrumando sobre a cama da fada um vestido cor de areia muito simples, sem cauda, sapatinhos do mesmo tom, um lindo véu de tecido finíssimo, véu que ia preso no alto do chapéu bicudo que todas as fadas usam. Também separou uma cesta com merenda, uma cesta de vime, de abrir por cima, onde estavam colocadas algumas guloseimas, inclusive as deliciosas maçãs vermelhas do pomar do castelo. A fada, uma vez pronta, vestida e tomando da cesta, desceu a longa escadaria do palácio e partiu pelo caminho que levava ao bosque, munida, naturalmente, de sua varinha mágica, coisa que levava com ela para toda parte onde ia.
Logo que se afastou do castelo, ao passar pelos jardins dos arredores, sua presença se fez sentir e começaram então a aparecer as borboletas. Milhares delas, de todas as cores, tamanhos e formatos, vinham de todas as direções para cumprimentar a fada e contar-lhe as novidades do bosque. Pousavam-lhe nos sapatos, no vestido, no véu e formavam assim um lindo séqüito que acompanhou a fada até a saída do bosque, onde a mata começava a ficar mais espessa.
Então, no que a fada deu os primeiros passos dentro da mata, começaram a surgir outros bichinhos de toda parte. Eram pássaros. De todas as espécies e de todas as cores, alguns trazendo flores no bico, como presentes que colocavam no caminho da fada, para agradá-la, demonstrando assim o seu carinho por ela. E, depois de conversar com cada um deles, deixando-se encantar por seus cantos e trinados, a fada seguiu seu caminho, penetrando ainda mais fundo na floresta, quando, então, começaram a surgir outros bichos. Desta vez , eram coelhos, gambás, macacos, cotias, tamanduás e muitos outros. Vinham todos conversar com ela, festejando sua presença em meio a eles, contando as novidades e tentando retê-la por ali, nos limites que separavam esta parte da mata da outra, a mais escura e profunda da floresta, onde nem todos os bichos penetravam, pela proximidade do pântano, trecho cheio de perigos e armadinhas, inclusive areias movediças.
A fada, porém, não se deixou deter e, depois de ouvir as histórias de cada um dos bichinhos que vieram ao seu encontro, seguiu em direção ao coração da floresta, não sem antes abrir a cesta repleta de iguarias que o anãozinho mágico havia colocado ali. Fez seu lanche em companhia dos amigos e, logo depois, prosseguiu, chegando à parte onde o sol pouco penetrava, dada a altura das árvores, detalhe que tornava aquele lugar sombrio e cheio de ruídos. Todavia, a presença mágica da fada trazia consigo uma luz que emanava tanto dela quando da estrela cintilante que ficava na ponta de sua varinha mágica, o que fez com que, uma vez mais, sua presença fosse notada também pelos habitantes da parte mais escura da floresta. E assim, tão logo chegou, vieram ao seu encontro as mais diversas espécies de animais, inclusive os répteis e as serpentes, aranhas, as feras selvagens e outros bichos cuja presença era incomum. Da mesma forma, vinham prestar homenagem à sua protetora, e com ela conversavam, contando histórias e procurando guiar seus passos na escuridão do caminho que, ali, tornava-se espesso e cheio de espinhos, fora os cipós que desciam do alto das árvores, formando grandes teias com seu emaranhado.
O final da tarde já se anunciava, e a fada deu-se conta de que a noite logo chegaria. Foi quando um som chamou sua atenção. Era uma espécie de choro. Vinha de algum lugar que não ficava longe dali e ela, pressentindo que havia muita angústia naquele miado longo e triste, apressou-se a seguir em direção ao som. Depois de algum tempo procurando, divisou alguns arbustos que se fechavam em volta do lugar de onde saia miado e, tentando afastar os galhos e as folhas que se fechavam, usou a varinha mágica para afastá-los e poder ver o que havia ali. Foi nesse instante que, sem querer, acabou fazendo com que sua varinha mágica tocasse em algo. Imediatamente, a fada viu o que era. Uma oncinha, muito pequena, estava perdida ali. Prendeu-se nos galhos e estava a chorar de fome e sede. Contudo, agora, depois de ser tocada pela varinha mágica da fada, tornou-se imediatamente toda dourada.
A fada logo entendeu o que se passara. Compreendeu que era um bichinho perdido, abandonado talvez e que agora, uma vez tornado dourado, não poderia mais viver ali no meio da floresta. Decidida, então, tomou da oncinha e, cuidadosamente, colocou-a dentro do cestinho de vime, e começou a sair da floresta.
Ora, os bichos, que não perderam nada do que acontecera, estavam todos perplexos. Em seguida, começou a correr pela floresta a novidade da adoção da oncinha perdida pela fada e, todos ficaram atentos à passagem dela pelo caminho de volta, segurando a cesta com firmeza, seguindo a passos firmes em direção castelo. A fada, assim, ia mostrando a todos os bichos a oncinha dourada, que sem querer, acabara se tornando um bicho encantado. Ia agora viver no castelo, em companhia da fada e do anãozinho mágico, porque, depois de ser tocada pela magia, a oncinha estava encantada para sempre, e teria de passar a viver uma vida diferente, reservada às coisas que a magia toca.
E foi assim que surgiu a oncinha dourada e assim termina essa história, com o bichinho perdido que foi encontrado pela fada.


NOTA:
Meu vô Bleggi (na foto, quando jovem) inventou esta história para mim, a neta querida para quem ele dava macãs raspadas. Como eu  já conhecia muitas histórias dos livros e do Walt Disney, pedi a ele que inventasse uma que fosse feita só para mim. Daí ele inventou esta, sem esquecer das maçãs, é claro, que iam no cesto da fada e que eram as mesmas que eu comia: maçãs provindas do castelo da fada onde vivia a oncinha dourada.
Claro que isso é do tempo em que a imaginação tornava essas coisas todas perfeitamente críveis, e que nada era capaz de demover essa crença infantil no impossível, na verdade, uma maneira de ver o mundo, única capaz de inspirar a criação de lindas histórias. Como esta, criada para mim pelo meu avô.

29 de junho de 2024

Frio

 Está frio. Mas não é apenas isso. Porque o frio não chega sozinho: traz fome, traz roupas, traz ventos e com eles vozes imprecisas que sussuram coisas inaudíveis pelas frestas de portas e janelas, pelos cantos da casa, pelas esquinas vazias. O frio traz saudades. Lembranças. Diastraio-me. Meu chá esfria. A noite recém iniciada me promete escuridão e esquecimento. Espero.


28 de junho de 2024

Sábias Tristezas


É sexta. Sossego e tranquilidade. Há tristezas, contudo, pelos mortos que partiram, mas que, ainda assim, nos habitam. Tristezas também pelos vivos que morrem todos os dias, um dia de cada vez, e tudo isso por nada. Sábias tristezas, porém, visto que preferíveis às alegrias superficiais, aos risos compulsivos, às bondades obrigatórias. Ao fim e ao cabo, sabias tristezas são apaziguadoras.
 

25 de junho de 2024

Bel-Ami de Maupassant: Gênero e Moralidade no Século XIX

 

Amo Maupassant. Simples assim. E amo com todos os exageros que podem caber em um elogio. Ele foi o mestre do conto, mas não deve nada a ninguém como romancista. Bel-Ami, primeiro romance escrito por Maupassant, publicado no jornal Gil Blas como folhetim em 1885, apresenta-nos uma das mais penetrantes análises do poder de sedução e de manipulação. O título, embora literalmente designe um “bom amigo” tem, no caso, uma dupla conotação não sem ironia.

O personagem Georges Duroy, bonito, dono de um ar desafiador e que bem lembraria o vilão dos romances populares, é apresentado em detalhes, objetivamente, em sua atuação, digamos, sedutora; e subjetivamente também, porque sabemos de seus pensamentos, uma vez que Maupassant nos mostra claramente quais os objetivos reais de alguém que é francamente dissimulado.

Georges Duroy mostra como fazer da sedução uma arma poderosa na busca de objetivos pessoais. Não se tratam, pois, de suas competências ou de suas qualidades. Caráter? Ele não tem nenhum e isso sequer o preocupa. O que importa é que ele faz parecer que tem. Comporta-se adequadamente. Estuda cada uma das pessoas de quem pretende alguma coisa, conhecendo suas fraquezas e suas ambições.

Ao longo da narrativa, testemunhamos Duroy envolvido em intricadas relações com outros personagens, especialmente quando são mulheres. Madame Madeleine Forestier e Clotilde de Marelle, por exemplo. A primeira, mulher de um amigo. Ela é jovem, loura, cheia de gentileza e de malícia. É bastante perspicaz. A segunda, baixinha e casada, mostra-se ambiciosa e, além de tudo, infiel ao amante. São tramas complexas, que ultrapassam a simplicidade de uma relação em que há claramente um culpado e uma vítima, pois, na dinâmica do romance, a ilicitude das relações contamina cada personagem. As relações acabam impregnadas de cinismo.

Importante referir também o envolvimento de Duroy com Madame Forestier, mais velha que ele, uma dama rica e distinta da sociedade. Ambos protagonizam uma cena memorável do romance, quando ela, sentimental, em um gesto apaixonado, enrosca alguns fios de cabelo em um dos botões da roupa de Georges Duroy, que nada percebe. Mais tarde, por conta desse gesto para ela simbólico, Madeleine Forestier percebe a evidência, e questiona seu então marido, perguntando se ele teria dormido com uma mulher que pusera cabelos em seus botões. Logo depois, examinando melhor o fio de cabelo branco, ela dá um grito estridente, de uma alegria nervosa e exclama: “Oh!... Oh!... É uma velha... eis aqui um cabelo branco... Ah! Deste agora para velhas... será que elas te pagam?... Ah! És das mulheres velhas... então não tens mais necessidade de mim...fica com a outra...” Por conta da cena, Duroy sente uma raiva furiosa e pensa na amante como a “velha bruxa de Walter”. O romance é repleto de cenas nas quais o caráter dos personagens é colocado em xeque constantemente.

Fica implícito, na sequência dessas cenas, complexas dinâmicas de poder, de desejo e, sobretudo, de controle nas relações entre homens e mulheres na sociedade do século XIX. Afinal, esse era o tempo desta escrita. Os homens e a sociedade, porém, permanecem, assim como a política dos afetos em face do poder e do manejo das ambições.

Há também toda uma representação do feminino jovem e do feminino maduro, designando a “velha bruxa”, expressão que opera de modo a estigmatizar a sexualidade da Senhora Forestier. Não estaria aí o reflexo da falta de proporcionalidade dos castigos na balança moral dos costumes? Enquanto Georges Duroy ascende na escala social, a Senhora Forestier é ridicularizada por suas ações. Velhos estereótipos, sempre persistentes, associados à sexualidade feminina.

Não obstante seu cinismo, Georges alcança seus objetivos e termina por se casar com Suzanne Walter, filha da velha senhora de Walter, culminando uma ascensão social inteiramente baseada em manipulações e traições ao longo de sua trajetória. Apesar do aparente sucesso, resta implícito que ele deverá manter seu comportamento oportunista, talvez para sempre, indefinidamente.

Um final ambíguo e provocativo. Uma obra de arte em termos de literatura que, até hoje, nos faz reverenciar a profundidade com que cada personagem atua na ordem social. Uma ordem que é questionada a cada linha, a cada momento, desde as descrições até os diálogos. Um romance que, mesmo escrito no século XIX, pode ser lido no XXI sem prejuízo dos retratos que faz tanto das relações humanas quanto da psicologia dos personagens. Eu dia mesmo que ainda há Duroys, porque a sociedade na qual vivemos enseja recompensas que reforçam comportamentos tais como os que ele praticou. Por outro lado, suas vítimas não são de todo inocentes, porque aceitam o jogo que ele propõe e aí talvez resida um aparente companheirismo que não é senão cumplicidade. Após certo ponto, reféns da mentira, não há outro caminho a seguir, a não ser manter as aparências e o jogo, indefinidamente. Maupassant. Sempre Maupassant. Irretocável. Imortal.

24 de junho de 2024

Inverno

 Marcando presença. Discretamente.

23 de junho de 2024

Domingo

Com certeza um dia que não é útil. Não mesmo.

17 de junho de 2024

A Marcha do Tempo


 Gosto desse desenho. Talvez por conta do tempo que ele representa. As horas. A vida. Há momentos em que eu simplesmente presto atenção nele. O tempo. Eu o sinto apenas. Tem horas que não passa, quando, por exemplo, fora de mim, me deparo com algo que desejo muito eliminar. Esse congelamento pode ser desesperador. Desvio do alvo e passo a ficar atenta ao tempo. Imagino então, que quando ele passar, levará consigo aquele elemento perturbador, e vai deixá-lo lá atrás, para sempre, sepultado em um passado inapreensível de onde só eu posso retirá-lo, porém, na forma de memórias do ódio. Sim, há memórias do ódio, memórias da dor, como há memórias do esquecimento. Se você também flerta com o tempo, como eu, vai saber exatamente do que estou falando. Se não flerta, não saberá jamais, razão pela qual não vou explicar nada. Há horas, porém, como agora, precisamente. Agora mesmo: passada a meia-noite, em meio à tranquilidade dos mortos que me cercam de dentro dos livros. Sossego e paz da casa que desconhece o amanhecer. Silêncios da noite que vêm ter comigo, interrompidos apenas pelos sons amigos dos relógios. A marcha dos ponteiros, tão certeira e precisa. E eu aqui, escrevendo para todos e para ninguém. O tempo, que conjuga o verbo continuar, que continua espaços afora, sempre rumo ao nada que a gente deve saber transformar em coisas assim, como essas palavras. Se é que você me entende.

10 de junho de 2024

Ernesto Sabato

Ernesto Sábato (1911-2011) nasceu em Rojas, na Argentina. Diria dele que é complexo como escritor, porque sua imaginação não conhece limites. Quem já o leu, que o diga. E quando pensamos que era um cientista que saiu das exatas ― estudou física e matemática na Argentina e em Paris ― para a literatura, essa transição me parece assustadora, ainda mais quando se pensa que ele não encontrou nem na lógica nem na precisão as respostas que buscou para sua existência e a de seus personagens talvez. De sua obra, ele mesmo falou que veio de um espírito contraditório, manifestando-se melhor na ficção do que no ensaio. 

Com diferentes personagens e seus desgarramentos interiores a ficção lhe permitia expressar seu mundo interior em sua diversidade e unidade. Tem-se, assim, que ele próprio se via como paradoxal. Não menos do que alguns de seus personagens. Juan Pablo Castel, por exemplo, saído de “El túnel” (1948) é um pintor solitário que comete um crime passional. Do célebre "Sobre héroes y tumbas" (1961), a temática varia entre a decadência e a redenção. Fernando Vidal Olmos, personagem que sofre com obsessões, busca por significado em um mundo que absurdo. Influenciado por teorias conspiratórias, acredita na existência de uma sociedade secreta composta por cegos que controlam o mundo. Ele representa o extremo do indivíduo entregue à loucura, que dá a ver toda a complexidade da mente humana em sua condição existencial, tema central de sua obra, assim como a dualidade: o bem e o mal que refletem os dilemas morais da humanidade. 

Em “El escritor e sus fantasma”, ele nos leva a passeio pela literatura. Não é um livro estruturado e tenso, como às vezes podem ser os seus escritos. Há muito do autor nessa obra, na qual ele conta ao leitor o que sentiu, suas perplexidades e preferências. Sobre estilo, por exemplo, fala-nos que enquanto a ciência é genérica, a arte é individual, razão por que há estilo na arte e não na ciência. Radical por vezes, não hesita em opinar: “Se vem dinheiro por nossa obra, está bem. Mas escrever para ganhar dinheiro é uma abominação. Esta abominação se paga com o abominável produto que assim se engendra.

Do ponto de vista político, a presença do crítico social se faz sentir na abordagem da corrupção e dos abusos de poder, discurso que lhe assinou destacado papel junto à Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (CONADEP), de onde se originou o "Nunca Más". Nesse sentido, o valor da memória, que ele explora magistralmente como tema: "Porque a memória é o que resiste ao tempo e a seus poderes de destruição, e é algo assim como a forma que a eternidade pode assumir nesse incessante trânsito. E ainda que nós (nossa consciência, nossos sentimentos, nossa dura experiência) nos modifiquemos com os anos, e também nossa pele e nossas rugas vão se convertendo em prova e testemunho desse trânsito, há algo em nós, bem lá dentro, em regiões muito escuras, aferrado com unhas e dentes à infância e ao passado, à raça e à terra, à tradição e aos sonhos, que parece resistir a esse trágico processo: a memória, a misteriosa memória de nós mesmos, do que somos e do que fomos." (Do romance Sobre heróis e tumbas)

 

9 de junho de 2024

Adúlteras na Literatura: Júlia, Emma, Capitu e Luísa

Vou partir dos clássicos. Júlia, a encantadora protagonista de "A Mulher de Trinta Anos" de Honoré de Balzac, nos é retratada como uma figura marcada por virtudes e fraquezas. Sua busca por paixão e romance muitas vezes a leva a tomar decisões impulsivas e arriscadas. Romântica e apaixonada, Júlia é capaz de grandes gestos de amor e sacrifício, mas é também vulnerável às pressões sociais e às expectativas dos outros. Emma Bovary, de Gustave Flaubert, “Madame Bovary”, publicada pela primeira vez em 1857, é retratada como uma mulher insatisfeita. Descontente da vida provinciana, ela tem sonhos românticos e busca fugir às rotinas de um casamento que considera entediante. Seus casos amorosos a induzem a extravagâncias financeiras. A enigmática Capitu, profundamente machadiana, tem sua honestidade questionada pelo narrador, Bentinho, em “Dom Casmurro”. Acusada de adultério, Capitu é complexa e multifacetada. Suas motivações e ações ensejam as mais diversas interpretações, o que a torna uma figura central na literatura brasileira. Por fim, a jovem e ingênua Luísa, passiva e vulnerável, manipulada pelo “Primo Basílio” no romance imortal de Eça de Queiroz. Ela dá a ver a fragilidade das convenções sociais e as consequências devastadoras do adultério em uma sociedade conservadora. 

Em comum, todas demonstram insatisfação e buscam a realização pessoal, seja através de romances proibidos, aventuras emocionais ou fantasias românticas, do resulta um conflito em relação aos seus deveres como esposas, mães e membros respeitáveis da sociedade. A temática do adultério é introduzida como uma forma de fugir à monotonia, à insatisfação ou à falta de paixão em seus casamentos, o que eventualmente leva a consequências significativas e, muitas vezes, trágicas. Destaque para as ambiguidades dessas heroínas que são também vilãs, especialmente em relação ao contexto social e cultural de seus respectivos tempos. Pertencentes à chamada classe média, foram todas mulheres “emergentes” a seu modo. Sua conduta, portanto, se mostrava necessariamente associada a valores conservadores, a uma moralidade rígida, que valoriza a família, virtude feminina e a fidelidade conjugal. 

Nesse contexto, o adultério cometido por mulheres da classe média, principalmente, representava uma violação gravíssima das normas sociais estabelecidas, uma forma de rebeldia e de subversão. Nesse contexto, examinar o adultério do ponto de vista dessas imortais personagens femininas nos faz entender melhor os dilemas pessoais e emocionais que elas enfrentaram, bem como as complexidades e contradições da sociedade em que viviam, marcada por hierarquias de gênero, por valores conservadores e por rígidas normas culturais.

Entre Sábias e Bruxas: Reflexões sobre a Complexidade da Experiência Feminina

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Mulherengos, libertinos e outros: estereótipos e contextos da masculinidade

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