28 de julho de 2012

REVISTA VIDA BRASIL

CIGARRO;A PAIXÃO PROIBIDA
terça-feira, 22 de maio de 2012
Estou melhor sem ele? Pode ser que sim, mas essa questão é mais profunda do que parece. Não passei a odiar cigarros nem fumantes. Também não me alistei na cruzada em prol da saúde. Não devo a nenhuma campanha o fato de haver deixado de fumar, nem minha mente, nem meu coração, nem meus ouvidos se abriram às pregações. Além do mais, simpatizo com fumantes, essa minoria oprimida que, ao que parece, está desamparada e vivendo, ainda, uma autêntica paixão proibida.

Recentemente escrevi um artigo sobre o significado de ter um carro e no que isso implicava relativamente ao espaço urbano. O número de carros aumentando, e o espaço das cidades permanecendo praticamente o mesmo, faz prever a chegada de um ápice crítico, e a necessidade de uma mudança de atitude, de comportamento.  Assim, como se tratava de mudar hábitos arraigados, ocorreu-me mencionar o que aconteceu em relação ao fumo e aos fumantes.

O artigo fui publicado em alguns veículos, ― inclusive aqui ― e notei que muitos dos comentários que suscitou nos leitores se relacionavam ao cigarro. Parei então para pensar que o assunto não morreu ainda, junto com os pobres aficionados a esse meu saudoso hábito e, como uma coisa leva a outra, lembrei-me de já haver escrito sobre como era ser fumante, retomando o tema.

A caça aos fumantes tomou proporções inauditas, e isso não demorou muito para chegar até onde chegou, mudando hábitos e alterando condutas. São Paulo, como outros estados brasileiros, há tempo proíbe o uso de cigarros e derivados de tabaco em áreas fechadas de uso coletivo, como bares, restaurantes, casas noturnas, escolas, ambiente de trabalho, museus, shoppings, lojas, repartições públicas e táxis. Os “fumódromos” foram abolidos em estabelecimentos comerciais e em ambientes de trabalho. Restam a própria casa, as vias públicas e o ar livre. Áreas comuns decondomínio também não foram liberadas, mas os cultos religiosos foram preservados, de sorte que o indivíduo que receba um “santo” ou uma “entidade” reconhecidamente tabagista poderá acender o seu cigarrinho durante o culto, desde que isso faça parte do ritual.

Bem, a perda de glamour do cigarro é indiscutível. Fico chocada ao ler a que ponto chegam as patrulhas, e assusta-me pensar qual será o próximo objeto dessa implacável cruzada em prol, dizem, da saúde. E da economia também, pois curar as doenças provocadas pelo cigarro custa muito caro para a sociedade. Bem, os fins sempre justificaram os meios. O jeito será buscar uma nova forma de morrer aos poucos, pois as paixões nos consomem, e fumar é uma paixão. Eu que o diga.




O cigarro foi a maior paixão de todas as paixões de minha vida. Por anos e anos eu fumei. Era ritualístico. Tinha uma linda cigarreira que custou todo o salário de meu primeiro emprego. Gostava de isqueiros, e gostava também de provar as novas marcas. Havia Charme e Ella. Havia Eve, com seus elegantes 120 mm e filtro decorado. Infelizmente este não cabia na minha maravilhosa cigarreira. Havia cigarros coloridos enfeitados com um anel dourado. Eles vinham em lindas caixas, tipo Box. Fumei todos.E fumei ainda os populares. Não vivia sem. Fumar era a primeira coisa que fazia ao acordar e a última, antes de dormir. Uma paixão, um culto, uma oração. E gostava. Fumava o tempo todo, especialmente ao escrever. Chequei a consumir mais de dois maços por dia. E passei assim de praticamente 50 a zero de uma hora para outra, quando deixei de fumar, ou quando o cigarro me deixou, como costumo dizer.



Meus lindos cinzeiros de cristal permanecem vazios. O de porcelana chinesa, todo enfeitado, agora serve para que nele eu coloque o meu pesado molho de chaves.



Quem rompe desse modo com um hábito tão arraigado costuma dizer “parei e pronto”, exibindo sua força de vontade como um halterofilista exibiria os seus músculos. Verdade, eu parei e pronto, mas confesso humildemente que não foi bem assim, fácil como dizem alguns. Eu nunca havia tentado antes. Sempre quis fumar. Deixar “dele” foi exatamente como vivenciar um luto. É o amigo que se foi, o companheiro, o amor, a paixão, a companhia, o apoio. Que saudade eu sentia! Ficar sem ele foi mergulhar num vazio imenso, experimentar uma ausência monstruosa que nos faz chorar de saudade daqueles momentos que só os fumantes conhecem. A gente não se sente viver. Lembra do cigarro no café, lembra dele depois do jantar, lembra dele quando assiste a um filme, quando escreve. Lembra dele na hora de dormir, e então perde o sono. Acorda pela manhã e não sente vontade de encarar o dia sem “ele”. As esperas. Ah! Os primeiros meses foram enlouquecedores. Eu cheirava os meus cigarros, mas apenas isso. Não os acendia. Em compensação, eu seguia pelas ruas os que acendiam os seus maravilhosos cigarrinhos. Ia bem atrás, aspirando a fumaça. Rondava os “fumódromos” também, farejando sem disfarçar.

Deixar de fumar foi terrível, até porque não procurei “ajuda especializada”. Os chatos? Nunca! Jamais faria isso. Amava fumar e detestaria ouvir falar mal de cigarros e de fumantes. Sempre detestei ex-fumantes e seus discursos saudáveis. São uns chatos! Fanáticos, repetitivos, nada teriam a ver com o meu luto. Meu caso com “ele” era assunto meu. Também não usei aqueles adesivos nem tomei remédio algum. Não foi fácil. Eu nem lembrava de mim sem o cigarro, pois comecei a fumar antes dos vinte anos. Não me pensava como gente antes de adquirir o hábito de fumar. Foi uma fase dolorosa. Mas passou.

É inacreditável, eu sei. Mas passou e, se alguém ousasse me dizer que algum dia o cigarro me seria estranho, eu acharia graça e não daria a menor atenção. Mas passou. Olho para cigarros hoje e não sinto vontade de acender um. Entretanto, convivo muito bem com quem fuma, não me desagrada o cheiro, não me desagrada o hábito tampouco, não me desagrada o vício. Simpatizo com fumantes. Não sou mais, é verdade, mas fui um dia e gostava. Não rompi com meu passado. Não fosse o fato de ter ficado doente, não teria deixado de fumar.

Todavia, eu deixei. Fiquei só. A vontade passou, engordei uns quilinhos. Meu olfato tornou-se poderoso e meu paladar aguçou. Caminho hoje 80 quarteirões em um dia sem sentir falta de ar. Subo as escadas do prédio onde morro sem parar no meio do caminho. Vantagens? Pode ser. Sem dúvida, não precisar sair de dentro de um shopping para fumar, não precisar refugiar-se em algum esconderijo para acender um cigarro e dar uma tragada com pressa, como se fosse um crime ou um pecado, são vantagens das quais o fumante não desfruta. É bom não precisar passar por descomposturas, por caras feias, por discursos e sermões encontrados edificantes, despejados sobre nós sem nenhuma reserva pelas patrulhas ideológicas. Com tanta coisa pior a combater, perseguem-se os inofensivos fumantes. Simples apaixonados como eu fui um dia, que só fazem mal a eles mesmos. Ora, os pulmões são meus, e a tal poluição provocada pela fumaça dos cigarros não é maior nem mais agressiva do que a fumaça quese desprende dos veículos e mesmo dos incensos que tanta gente zen adora usar. Mas fumar agora se tornou praticamente um crime, e não há muito que se possa fazer contra a monstruosa força representada pela opinião.

Estranho, porém, é saber hoje que o cigarro me é indiferente. Tanto esforço de vontade, tanta paixão, tanta frustração e saudade por nada. Nem lembro mais de como eu era quando fumava. Também não lembro mais, concretamente, do tipo de prazer que eu encontrava em fumar. Era bom. Só isso. Não sei como esse desprendimento aconteceu, mas aconteceu. Tornei-me indiferente ao cigarro. Ele não me encanta mais, e eu me pergunto que tipo de prazer encontrava nessa relação. Tentei voltar ao velho hábito. Não funcionou. Simplesmente não encontrei nenhum prazer sequer naquela maravilhosa primeira tragada. Nada. Creio de deverei permanecer consumindo apenas livros, café e coca zero em copiosas quantidades.

Estou melhor sem ele? Pode ser que sim, mas essa questão é mais profunda do que parece. Não passei a odiar cigarros nem fumantes. Também não me alistei na cruzada em prol da saúde. Não devo a nenhuma campanha o fato de haver deixado de fumar, nem minha mente, nem meu coração, nem meus ouvidos se abriram às pregações. Além do mais, simpatizo com fumantes, essa minoria oprimida que, ao que parece, está desamparada e vivendo, ainda, uma autêntica paixão proibida.
Autor: Maristela Bleggi Tomasini