1 de janeiro de 2009

Votos de Castidade

Alhures, em todos os tempos e em todos os países, as funções da geração têm sido sabiamente pervertidas por nefastas invenções.

Que absurda anomalia aqueles votos de virgindade, sejam do homem, sejam da mulher! Uma das funções mais nobres, — eu ousaria mesmo dizer das mais santas, — do ser humano é a de dar nascimento a outros seres humanos. Se existe qualquer objetivo em nossa existência, — o que é, a rigor, admissível, — é o de prolongar no tempo, por novas gerações, a nossa espécie. É, pois, violar a lei primordial imposta a todo ser vivente condená-lo a uma virgindade perpétua. E, todavia, não era isso que faziam as vestais? Não existem faquires? Não vemos, nas igrejas e mosteiros, religiosos e religiosas que acreditam conquistar a santidade pela virgindade? Santidade bem singular que consiste em não obedecer às leis divinas.

Se essas vestais, esses capuchinhos, essas carmelitas, esses dominicanos, esses jesuítas, esses faquires fossem acessíveis a um raciocínio, eu lhes diria que, por seus votos de virgindade, eles vão diretamente contra a manifesta vontade do deus no qual eles crêem. Em se revoltando contra seu destino, eles praticam ação de rebeldes. É ofender o Criador pretender fazer melhor que Ele, desobedecendo de modo impudente à lei suprema que Ele ordenou a todo ser vivente.

Não se pretenderá que se trata aqui, como para os eunucos, de uma raríssima exceção. De fato, os celibatos voluntários estendem-se, como a religião cristã, sobre toda a superfície terrestre. Mesmo o vulgo cerca de uma lastimosa veneração os infelizes e as infelizes que se colocam fora — ou mesmo acima — das leis humanas. Mas que importa a opinião do vulgo? Que me importa a cegueira de meus contemporâneos? Eu não tenho o direito de constatar que o homem, enganado pelos erros de sua reles inteligência, coloca-se em dissensão com a unanimidade dos seres? Único, na imensa Natureza, ele se impõe a virgindade. Ele é, pois, o único a ser absurdo!

Em dizendo que é preciso respeitar a obra de Deus, eu estou mais perto da religião que os próprios religiosos.

Como fisiologista, estudando as molas da máquina vivente, fui lenta e seguramente levado a uma conclusão geral, simples e formal, de que nosso corpo e nossa alma estão num estado normal tão excelente, que toda modificação, em lugar de melhorá-los, os torna piores; em lugar de aperfeiçoá-los, degrada-os. O ideal de uma vida feliz, sã e forte é a vida natural. Acreditar que se progride, suprimindo as funções geradoras, é tão insensato quanto acreditar chegar a uma moralidade superior por açoites e jejuns. O exercício regular e moderado de nossas funções normais: eis a verdadeira santidade. A sábia e fecunda Natureza nos tem indicado claramente sua vontade, quando ela nos mune de tais ou quais órgãos. Nós a insultamos acreditando fazer melhor que ela.

Não apenas nós a insultamos, o que a deixa bem indiferente; mas ainda, perante nós mesmos, somos estúpidos.

Parece, diz-se algumas vezes, que essas virgindades sacerdotais dirigidas por teorias de freiras e frades são protestos contra as perversões do século. Mas fala-se seriamente? Em que cinqüenta mulheres santas que se prosternam sobre uma laje vão extinguir as obscenidades de todo um mundo de cortesãs? As damas romanas da decadência levavam falos pendurados no pescoço. Essa grosseria era por acaso diminuída, porque no Templo de Vesta suspiravam as virgens que alimentavam o fogo sagrado? Eis duas aberrações em lugar de uma. Eles somam-se em lugar de se anularem.

O que faz a superioridade do animal sobre o homem é que jamais um animal procura modificar o curso normal de sua vida fisiológica. E assim ele encontra, de pronto, o nível ótimo do qual um ser vivo não pode senão afastar-se com suas invenções, sua imaginação, seus preconceitos.

A inteligência a acoplar-se com a estupidez: eis assim em que se pode resumir a evolução humana! Servir-se da razão para corrigir os instintos animais é muito irracional. Empregar sua inteligência em fazer desaparecer esses instintos é dar prova, não de inteligência, mas de inépcia. Se, aperfeiçoando todas as capacidades de dedução ou de indução que fermentam em nosso cérebro, nós as aplicássemos em complicar e aumentar nossos instintos, de maneira a nos conformarmos, cada vez mais, às leis naturais, nós nos tornaríamos talvez, superiores aos animais. Nada disso. Parece que todo nosso esforço tende a se opor às leis que a Natureza deu a nosso ser.

É-se bastante louco para acreditar que se vai imaginar melhor que o Amor para desenvolver nossa energia moral?

Charles Richet
da obra O HOMEM ESTÚPIDO