11 de janeiro de 2009

AS CARTAS XIV

Carta de Francisco para Maria de 17 de agosto de 1924.
Maria,
Vim de ti há pouco... E trouxe comigo a tua voz, única em harmonia, a ecoar, em ondas de doçura, aos meus ouvidos. Ela será a música das minhas últimas horas deste dia, até o sono, que me será divino, caindo, como cairá do céu, a tua voz.
E veio o teu perfume, também, como um longo veu, envolveu-me o corpo todo. Encerrei-me, com langor, dentro dele. Será o meu cofre imaterial, onde o meu corpo repousará esta noite, desmaiado à embriaguez do seu seio.
De vez em vez, correm-me pela superfície da epiderme arrepios de volúpia, ao ferir de toques invisíveis. São reflexos de teu contato. Ele desperta a minha sensibilidade pela amorosa pressão que foi, que já não é, e que acorda, momento que outro, ao reviver de meu insopitável desejo.
Som, perfume, contato... Na conjunção desses três termos, trouxe-te inteira, toda carícias, de forma espiritual.
E trouxe um mundo também, porque te trouxe. E trouxe tudo o que é meu, tudo o que faz a minha vida, dizendo-te, a ti, que és a minha vida, o meu único bem, que me dá tanto mal, às vezes... mas, na vida, tudo é assim... Ao lado da melhor felicidade caminha, sempre, a amargura... Esta é o seu preço. Não se pode gozar de um bem, sem punição. Nem aquele teria valor como tal, sem a existência desta. É lei da vida. E a melhor felicidade consiste, sem dúvida, em se pensar que se é feliz. Ou, com mais sabedoria, em não se pensar nela, nem desejá-la. Ela foge, sorrindo, com piedosa ironia, da mão que a quer apanhar...
Mas, eu te amo... E não sei donde nasceu este amor, não sei donde ele veio... Sei apenas que te amo, e muito. Será por seres mulher, e por ser eu homem? Mas, se fosses homem, não serias meu amigo? Eu, por certo, se fosse mulher, seria tua amiga, tua amiga exclusivista, que te não permitiria a graça de um namorado... Viveria contigo e contigo morreria... Que loucura, Santo Deus! Que ninguém saiba dessas coisas! Apaga, por favor, os últimos períodos. Mulher, eu? Que blasfêmia! Perdoa-me, meu amor!
Perdoa
ao teu
Francisco