O velho cão de ar cansado caminhava muito devagar em volta da fruteira, tipo armazém, na beira de uma das estradas da serra gaúcha. Havia ali perto uma típica casinha de cachorro, muito velha e descuidada, porém. Presumo que fosse dele.
Já o galo, este, exibia-se, alçava a crista, batia as asas. Parecia buscar aplausos, sabendo-se bonito. Certo de que era um Pavarotti, abria o bico, mostrava a língua e cantava, alongando as notas até a rouquidão. O cão, silencioso, limitava-se a olhar e a escutar seu parceiro. Passei alguns minutos observando os dois. Até que, de repente, diante do fiasco de uma longa e estridente nota que saiu em falso, nitidamente desafinada, pareceu-me ler no semblante sereno e indiferente do cão um leve arquear de sobrancelhas. Nesse instante, eu poderia jurar que trocamos olhares, discretamente, sorrindo da malograda performance do outro.
Instante mágico, como mágica seria a cumplicidade que minha imaginação teima em afirmar que existiu exatamente naquele instante entre mim e cão.
O galo? O galo continuou a ciscar e a cantar, exibindo-se, sem suspeitar do Natal que se aproxima. Os forasteiros? Ah, estes só se ocupam de seus misteres e nada sabem dessas coisas. E eu? Bem, eu ainda tenho a esperança de ser compreendida por esses velhos e serenos cães que, como eu, precisam conviver com homens, que só percebem as coisas do mundo e que nada sabem do mundo das coisas, e com galos, pedantes e presunçosos.