A minha menina azul. Encontrei-a agora perdida em uma pasta de imagens de 2012. Embora eu jamais soubesse de verdade o que achavas dela, gostei quando escolheste levá-la embora, direto da 407 para São Paulo, acomodada numa moldura e envolvida em papelão.
Nunca te disse que, para mim, era confortador que ela se mantivesse contigo para sempre. Sim, para sempre e, a propósito, tipo aquela música que me deste: Until the last moment. E ela ficou.
E depois, na minha imaginação delirante, acreditava que era impossível fugir dela, de sua presença meio impertinente. Um feminino meio Amélie Poulain. Olhar que guarda um misto de receio e de curiosidade. Recatada, observadora, fria como os azuis, mas vaidosa de um pequeno e mal enjambrado lenço vermelho, que destoa das vestes vitorianas. Devia ser pequena. Mesmo o volume das mangas sugere braços finos e delicados. Pouco importa como ou quem ela era: importante era saber que ficava junto de ti, em algum lugar no qual, mesmo invisível, eu estaria sempre presente.
E pouco importa também que fim ela levou. Afinal, agora, sem o teu olhar, ela volta a ser apenas tinta colorida e óleo que secou sobre um pano esticado. Se fosse humana, seria como carne que retém sangue por cima de um esqueleto: bem como a gente, quando fica assim, desabitada de si e sem sentido nenhum, olhando apenas para o tempo que, sem memória, desacontece com todas as coisas vividas e sentidas.