19 de dezembro de 2015

O Antimundo

 Robert de Herte, Éléments n°8-9, 1974[1].

Uma nova moda está lançada: a antimedicina. Ivan Illich[2], citado por Michel Bosquet, se faz dela o teórico. Ele afirma que a medicina não serve para nada (ou pouco falta para isso). Que os médicos fazem mais mal do que bem. Que “os medicamentos matam entre 60 e 140 milhões de americanos nos hospitais” (Le Nouvel Observateur). Sofisma que é preciso interpretar sob o ângulo ideológico. Illich acusa a medicina de ser objetivamente “cúmplice” dos poderes constituídos. Ter boa saúde em uma sociedade corrompida é estar “adaptado” à corrupção. “A medicina, ajudando os indivíduos a suportarem aquilo que os destrói, contribui para com esta destruição” (ibid.).

A abordagem de Illich assemelha-se àquela dos antipsiquiatras. Para esses últimos, os doentes mentais são normais, enquanto as pessoas normais são doentes. Suportar “normalmente” o mundo exterior é confessar, por este mesmo fato, que se vive em simbiose com ele. Ora, esse mundo é acusado de ser doente. Ser “normal” é, pois, ser doente. Os “alienados”, ao contrário, “testemunham” sua alienação. Recusam-se a lidar com a “sociedade burguesa”: sinal de boa saúde.

Os mesmos sofismas prevalecem pouco a pouco em todas as disciplinas. A escola é especialmente visada. A seleção torna-se o inimigo número um. Todos devem chegar aos mesmos resultados. O homem é uma tábula rasa. Ele tem o “direito” de ser adulto e de ser inteligente. Além disso, tem direito aos diplomas, evidentemente. O professor, este, não tem mais o direito de dar lições. Ele deve “colocar-se à escuta” de seus alunos e ajudá-los a “melhor se compreenderem”. Sua experiência nada vala diante da “espontaneidade”. É uma antipedagogia.

Há também a antisociedade. Todas as doutrinas igualitárias se unem para exigir a abolição das “barreiras”. Em primeiro lugar aquelas das hierarquias. Moralistas impacientes atacam o “pai” sob todos os seus avatares. As estruturas da família eclodem. O inferior julga o superior. Condena-se o poder em nome da “segurança”, a beleza em nome do informal, a cultura em nome da contracultura, o bom-senso em nome do absurdo.

A vida púbica é dominada por uma tendência: a superioridade social. A ponto de parecer ultrajante desafiá-la. É preciso dizer, todavia: a primeira tarefa do Estado não é de ordem econômica ou social. Ela é de ordem política. O Estado não é uma ferramenta a serviço das massas. Ele transcende a simples soma dos cidadãos. Existe uma razão de Estado, fundamento da teoria europeia dos poderes. O papel do Estado é o de assegurar ao povo não somente um “amanhã”, mas, sobretudo, um destino.  A condição desse destino é a independência. Toda política, aliás, exige a designação de um inimigo. Em um mundo de superpotências, podemos ao menos querer ser uma delas. Falam-nos de mundialismo, de República Universal e de dependência “obrigatória”. É uma antipolítica. O biologista Henri Laborit declarou recentemente: “Depois da antipsiquiatria, da antimedicina, da anti-educação, aguardo a chegada da antipsicologia e a antisociologia. Embora já tenhamos uma antieconomia, quando a anti-espécie humana? Teremos então criado um antimundo”.

A verdade será mentira, a fraqueza será força, a igualdade será a lei. 1984[3]: acontece em nove anos.



[1] Robert de Herte é um dos pseudônimos adotados por Alain de Benoist. (N. da T.).
[2] Interessante. Sobre este autor, que fala de iatrogenia e que Olavo de Carvalho recomenda, encontrei a seguinte crítica em obra publicada em Les Classiques de Sciences Sociales:
Illich acredita defender o interesse dos desamparados daqui e dali, propondo o “desemprego criador”, ou seja, o trabalho não remunerado e destinado a produzir unicamente valores de uso. Nas sociedades contemporâneas somente os ricos têm a possibilidade de praticarem o desemprego criador. Se os desamparados, os pobres e os desfavorecidos dos países subdesenvolvidos e desenvolvidos tentarem ser desempregados criadores, — bem! — eles serão ainda pobres e verdadeiros desempregados. Nesse sentido, eu poderia intitular este artigo como “Ivan Illich u=ou o criador do desemprego”. Illich é, sem dúvida, um profissional mutilador (ASSOGBA, Yao. “Ivan Illich. Essai de synthèse”. Artigo publicado na revista Critères, Montréal, n° 26, 1979, pp. 217-235). N. da T.
[3] George Orwell (N. da T.).