"Às nove horas, ordinariamente,
entrava D. Felicidade de Noronha. Vinha logo da porta com os braços estendidos,
o seu bom sorriso dilatado. Tinha cinqüenta anos, era muito nutrida, e, como
sofria de dispepsia e de gases, àquela hora não se podia espartilhar e as suas
formas transbordavam. Já se viam alguns fios brancos nos seus cabelos levemente
anelados, mas a cara era lisa e redonda, cheia, de uma alvura baça e mole de
freira; nos olhos papudos, com a pele já engelhada em redor, luzia uma pupila
negra e úmida, muito móbil; e aos cantos da boca uns pêlos de buço pareciam
traços leves e circunflexos de uma pena muito fina. Fora a íntima amiga da mãe
de Luísa, e tomara aquele hábito de vir ver a pequena aos domingos. Era
fidalga, dos Noronhas de Redondela, bastante aparentada em Lisboa, um pouco
devota, muito da Encarnação."
QUEIRÓS, Eça. O Primo Basílio