31 de dezembro de 2015

Lembrança

Recordação. Uma das minhas fotografias favoritas.

30 de dezembro de 2015

Os prazeres e os dias

"A ambição embriaga mais que a glória; o desejo floresce e a posse murcha todas as coisas; mais vale sonhar a vida que vivê-la, mesmo que vivê-la ainda seja sonhá-la, porém menos misteriosa e claramente ao mesmo tempo, com um sonho obscuro e pesado semelhante ao sonho esparso na frágil consciência dos animais que ruminam. As peças de Shakespeare são mais belas são mais belas vistas no quarto de trabalho do que representadas no teatro. Os poetas que criaram as amorosas imortais muitas vezes só conheceram criadas medíocres de albergues, ao passo que os voluptuosos mais invejados não sabem sequer conceber a vida que levam, ou melhor, que os leva."

PROUST, Marcel, Os prazeres e os dias. Rio de Janeiro: Rio Gráfica, 1986, p.
164.

Salão de Beleza


A foto da esquerda é de uma engenhoca que servia para encrespar os cabelos. À direita, um secador. As geringonças fazem parte do Museu de Amparo, SP. 

29 de dezembro de 2015

Sei não...


Não ter para onde ir

"Compreende, compreende, senhor, o que significam estas palavras: não ter para onde ir?... Todo homem necessita de um lugar para voltar."
Dostoievski

28 de dezembro de 2015

Fim de conversa

"Queres dizer que a nossa conversa chegou ao fim, Não foram essas as minhas palavras nem foi esse o sentido delas, Realmente não, desculpa, Em todo o caso, pensando bem, conviria que nos deixássemos ficar por aqui, é visível que há demasiada tensão entre nós, saltam faíscas a cada frase que nos sai da boca, Não era essa a minha intenção, Nem a minha, Mas assim aconteceu, Sim, assim aconteceu, Por isso vamos despedir-nos como bons meninos que somos, desejar-nos boas noites e felizes sonhos, até um destes dias, Liga-me quando quiseres,"

SARAMAGO, José. O homem duplicado. 

24 de dezembro de 2015

Dona Felicidade

"Às nove horas, ordinariamente, entrava D. Felicidade de Noronha. Vinha logo da porta com os braços estendidos, o seu bom sorriso dilatado. Tinha cinqüenta anos, era muito nutrida, e, como sofria de dispepsia e de gases, àquela hora não se podia espartilhar e as suas formas transbordavam. Já se viam alguns fios brancos nos seus cabelos levemente anelados, mas a cara era lisa e redonda, cheia, de uma alvura baça e mole de freira; nos olhos papudos, com a pele já engelhada em redor, luzia uma pupila negra e úmida, muito móbil; e aos cantos da boca uns pêlos de buço pareciam traços leves e circunflexos de uma pena muito fina. Fora a íntima amiga da mãe de Luísa, e tomara aquele hábito de vir ver a pequena aos domingos. Era fidalga, dos Noronhas de Redondela, bastante aparentada em Lisboa, um pouco devota, muito da Encarnação."
QUEIRÓS, Eça. O Primo Basílio

23 de dezembro de 2015

Corações schillerianos

"Acontece assim sempre a esses corações schillerianos: até o último instante qualquer ganso é para eles um cisne."
Dostoievski, Crime e castigo.

Academia, naturalmente


19 de dezembro de 2015

O Antimundo

 Robert de Herte, Éléments n°8-9, 1974[1].

Uma nova moda está lançada: a antimedicina. Ivan Illich[2], citado por Michel Bosquet, se faz dela o teórico. Ele afirma que a medicina não serve para nada (ou pouco falta para isso). Que os médicos fazem mais mal do que bem. Que “os medicamentos matam entre 60 e 140 milhões de americanos nos hospitais” (Le Nouvel Observateur). Sofisma que é preciso interpretar sob o ângulo ideológico. Illich acusa a medicina de ser objetivamente “cúmplice” dos poderes constituídos. Ter boa saúde em uma sociedade corrompida é estar “adaptado” à corrupção. “A medicina, ajudando os indivíduos a suportarem aquilo que os destrói, contribui para com esta destruição” (ibid.).

A abordagem de Illich assemelha-se àquela dos antipsiquiatras. Para esses últimos, os doentes mentais são normais, enquanto as pessoas normais são doentes. Suportar “normalmente” o mundo exterior é confessar, por este mesmo fato, que se vive em simbiose com ele. Ora, esse mundo é acusado de ser doente. Ser “normal” é, pois, ser doente. Os “alienados”, ao contrário, “testemunham” sua alienação. Recusam-se a lidar com a “sociedade burguesa”: sinal de boa saúde.

Os mesmos sofismas prevalecem pouco a pouco em todas as disciplinas. A escola é especialmente visada. A seleção torna-se o inimigo número um. Todos devem chegar aos mesmos resultados. O homem é uma tábula rasa. Ele tem o “direito” de ser adulto e de ser inteligente. Além disso, tem direito aos diplomas, evidentemente. O professor, este, não tem mais o direito de dar lições. Ele deve “colocar-se à escuta” de seus alunos e ajudá-los a “melhor se compreenderem”. Sua experiência nada vala diante da “espontaneidade”. É uma antipedagogia.

Há também a antisociedade. Todas as doutrinas igualitárias se unem para exigir a abolição das “barreiras”. Em primeiro lugar aquelas das hierarquias. Moralistas impacientes atacam o “pai” sob todos os seus avatares. As estruturas da família eclodem. O inferior julga o superior. Condena-se o poder em nome da “segurança”, a beleza em nome do informal, a cultura em nome da contracultura, o bom-senso em nome do absurdo.

A vida púbica é dominada por uma tendência: a superioridade social. A ponto de parecer ultrajante desafiá-la. É preciso dizer, todavia: a primeira tarefa do Estado não é de ordem econômica ou social. Ela é de ordem política. O Estado não é uma ferramenta a serviço das massas. Ele transcende a simples soma dos cidadãos. Existe uma razão de Estado, fundamento da teoria europeia dos poderes. O papel do Estado é o de assegurar ao povo não somente um “amanhã”, mas, sobretudo, um destino.  A condição desse destino é a independência. Toda política, aliás, exige a designação de um inimigo. Em um mundo de superpotências, podemos ao menos querer ser uma delas. Falam-nos de mundialismo, de República Universal e de dependência “obrigatória”. É uma antipolítica. O biologista Henri Laborit declarou recentemente: “Depois da antipsiquiatria, da antimedicina, da anti-educação, aguardo a chegada da antipsicologia e a antisociologia. Embora já tenhamos uma antieconomia, quando a anti-espécie humana? Teremos então criado um antimundo”.

A verdade será mentira, a fraqueza será força, a igualdade será a lei. 1984[3]: acontece em nove anos.



[1] Robert de Herte é um dos pseudônimos adotados por Alain de Benoist. (N. da T.).
[2] Interessante. Sobre este autor, que fala de iatrogenia e que Olavo de Carvalho recomenda, encontrei a seguinte crítica em obra publicada em Les Classiques de Sciences Sociales:
Illich acredita defender o interesse dos desamparados daqui e dali, propondo o “desemprego criador”, ou seja, o trabalho não remunerado e destinado a produzir unicamente valores de uso. Nas sociedades contemporâneas somente os ricos têm a possibilidade de praticarem o desemprego criador. Se os desamparados, os pobres e os desfavorecidos dos países subdesenvolvidos e desenvolvidos tentarem ser desempregados criadores, — bem! — eles serão ainda pobres e verdadeiros desempregados. Nesse sentido, eu poderia intitular este artigo como “Ivan Illich u=ou o criador do desemprego”. Illich é, sem dúvida, um profissional mutilador (ASSOGBA, Yao. “Ivan Illich. Essai de synthèse”. Artigo publicado na revista Critères, Montréal, n° 26, 1979, pp. 217-235). N. da T.
[3] George Orwell (N. da T.).

Fotografia


13 de dezembro de 2015

8 de dezembro de 2015

Avdótia Românovna

"Avdótia Românovna era muito bonita, alta, maravilhosamente bem feita, forte, aprumada, o que se via em todos os seus gestos, e o que, aliás, não era de maneira nenhuma um obstáculo a que tivesse também movimentos ágeis e graciosos. No rosto parecia-se com o irmão, mas podia até dizer-se que era uma autêntica beleza. Tinha os cabelos castanhos, um pouco mais claros que os do irmão; os olhos quase negros, cintilantes, altivos e, ao mesmo tempo, às vezes, de uma doçura invulgar. Era pálida, mas não de palidez doentia; o seu rosto resplandecia fresco e são. Tinha a boca um tanto pequena; o lábio inferior, fresco e vermelho, era levemente saliente, bem como o queixo... o que era a única irregularidade naquele belíssimo rosto, mas que entretanto lhe infundia uma nota especial, e, entre outras coisas, uma certa altivez. A expressão do seu rosto era sempre verdadeiramente mais séria do que alegre, preocupada; mas o sorriso ficava bem a esse rosto; como lhe assentava bem o riso jovial, juvenil, despreocupado! Por isso era compreensível que o impetuoso Razumíkhin, franco, simples, honesto e forte como um homem antigo, que nunca na sua vida vira nada semelhante, perdesse o juízo assim que a viu."

Dostoievski, Fiodor Mikhailovitch, em Crime e Castigo.

Eu que plantei


4 de dezembro de 2015

A propósito

Você, meu caro, desconfie da esposa amável, da esposa cordial, gentil. A virtude é triste, azeda e neurastênica. 

Nelson Rodrigues

Tão lindamente verde


Tão verdemente belo.

Sursum corda

Para o bom entendedor...