31 de janeiro de 2013

Reclames de Antigamente


Recém Chegados

Eles vêm, os livros. Eles me acontecem, simplesmente. Seja porque sabem de minha simpatia por eles todos (ou por quase todos, talvez); seja porque não têm mais para onde ir e precisam exilar-se; seja porque, como estes, envelheceram, e agora hospedam poeira e traças, geração espontânea que a sabedoria produz; seja porque, velhos assim, são sem utilidade num mundo que reverencia beleza, juventude, técnica, praticidade... Então eu os acolho. Estes vieram de longe. Na origem, de bem longe. Migraram até a 407. Aqui, certamente, já se sentem em casa, bem à vontade. 

REVISTA VIDA BRASIL

PARALELO 30
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013
Em Porto Alegre, o prédio que abriga a administração municipal fica em frente à Praça Montevidéu. Ali existe um bonito chafariz, enfeitado com azulejos artesanais. Este gracioso monumento, a Fonte Talavera, presente do povo espanhol para a gente de Porto Alegre, além de servir de referência às pombas, marca com precisão o exato local por onde passa o paralelo 30 aqui no hemisfério sul, e consiste no marco zero da capital gaúcha.

Dizem os místicos que isso mostra o quanto Porto Alegre está destinada a ser um importante centro iniciático.
Porque — segundo eles, os místicos — o contraponto de Porto Alegre, o paralelo 30 do hemisfério norte, passaria pelo Egito, em meio às grandes pirâmides. Confesso que jamais me preocupei em abrir um atlas e conferir a afirmação, pois há muito tempo já aprendi que computadores, místicos e mulheres a gente não contraria. Além disso, é muito interessante levar visitantes — paulistas em especial — e apontar-lhes o marco exato do paralelo, confidenciando-lhes que o “outro” paralelo 30 passa pelas pirâmides, naturalmente, um portal geográfico de onde devem emanar, com toda certeza, estranhas vibrações. É a lógica gaúcha. Ora, se isso vale para as pirâmides...
Pois bem. O paço municipal aqui de Porto Alegre é um prédio bonito. Um pequeno palácio gracioso e repleto de elementos arquitetônicos bastante ecléticos que não são sem elegância. Escadarias de mármore têm por guardas quatro leões deliciosamente fotogênicos, adorados por crianças, pombos e até mesmo por alguns adultos. Os leões são parte da cidade e, além disso, folclóricos. Há muitos anos atrás um jornalista brincalhão divertiu-se ao noticiar que um estranho fenômeno tinha lugar na Praça Montevidéu, pois, a certa hora do dia, alguma influência misteriosa provocava um inexplicável aquecimento no corpo dos leões do palácio.
 No dia seguinte à publicação, ficou de guarda, controlando quem passava pelo centro. Nem preciso dizer que não foram poucos os que paravam na escadaria, olhavam a paisagem e, discretamente, alisavam os leões. O jornalista e alguns amigos, assim, divertiram-se a valer. Bem, eram velhos tempos em que brincadeiras deste tipo nem em sonho seriam interpretadas como contrárias à ética ou como capazes de gerar danos morais. Outros tempos.
Contudo, seja realmente à vista das misteriosas vibrações que se concentram na Praça Montevidéu, por força de sua situação geográfica, seja por qualquer outra razão que me escapa por completo, fato é que somos todos muito estranhos aqui no sul, ao menos do ponto de vista dos forasteiros que vem ter por aqui. A maioria ainda se surpreende com o chimarrão. Como pode essa gente cultivar o hábito de chupar água fervendo com gosto amargo por uma bomba de metal que passa de boca em boca? E essa história de só haver dois times de futebol? Todo gaúcho é bipolar, dizem. Politicamente, ou amam o PT, ou o odeiam. Em matéria de futebol, ou são gremistas ou são colorados. E quem torce para um desses times seca o outro, de sorte que a regra é torcer para o Inter e também para qualquer outro time que jogue contra o Grêmio, naturalmente.
Não, nós não queremos títulos nacionais ou internacionais, a não ser que o time agraciado seja o nosso. Se não for assim, prefere-se perder os tais títulos nacionais para outros estados. O que importa é ser campeão gaúcho. Depois vem o resto. Antes assim do que escutar a flauta “deles”. Dia de Grenal, é como se fosse o Armagedom. No estádio, um lado azul e outro vermelho. Inimigos que se encaram, exceto quando se ouvem os primeiros acordes do Hino do Rio Grande do Sul. Exatamente. Colorados e Gremistas cantam então, em coro, o hino rio-grandense, pois a letra é conhecida de qualquer gaúcho, que festeja o 20 de setembro desde pequeno.
Isso, contudo, não acontece apenas em estádios de futebol. Nas cerimônias oficiais, quem vem de outros estados do Brasil dificilmente entende o que acontece por aqui, quando toca o nosso hino e todos se levantam, colocam a mão direita sobre o coração e cantam com força.  A maioria dos brasileiros conhece apenas o hino nacional, e ignora o hino do próprio estado. Aqui isso não acontece. O hino do Rio Grande do Sul é cantado e decorado por quase todos os gaúchos. Parece que de Porto Alegre ― paralelo 30 ― irradia-se assim alguma coisa que nos faz, por aqui, realmente muito estranhos.
E a fala? Só depois de conviver com outros sotaques, especialmente o paulistano, que é praticamente sem modulação, é que percebi o quanto somos expressivos. Um simples “mas bah” falado em diferentes entonações pode significar mil coisas. É claro que isso só é compreensível entre nós, nativos e iniciados nesse falar do sul, repleto de sutis diferenças. Temos o portoalegrês, um sotaque da capital, que alonga a pronúncia da vogal tônica e fala mais devagar. É de Porto Alegre o trilegal. Existe o falar da região serrana, carregado pelo sotaque dos imigrantes italianos e alemães e ainda o falar da fronteira, que é bem uma mistura de português com espanhol, o portunhol, que nos identifica muito, em termos culturais, com uruguaios e argentinos. Fora isso, o gauchês típico, tradicionalista, que possui não apenas um sotaque próprio, como ainda é composto de um conjunto de ditados populares muito característicos. E, por falar em linguagem, em qualquer lugar do Rio Grande do Sul se entende muito bem o espanhol, de modo que argentinos e uruguaios não precisam ― e dificilmente aprendem ― a falar português. 
Recentemente descobri que somos um estado que gosta de consumir produtos fabricados aqui mesmo, enquanto outros estados do Brasil não fazem assim. Grandes supermercados sabem disso, e seu setor de compras é montado de outra forma, quando o assunto é comprar para a filial do Rio Grande do Sul, normalmente existente em Porto Alegre.
E a mania de grandeza também não é exagero. Acostumamo-nos a acreditar que nosso pôr do sol é o mais lindo do mundo. Nada se compararia ao nosso Guaíba, que se estende por quilômetros e quilômetros de orla na cidade. Esta nossa mania de grandeza tem ainda a seu favor vários argumentos: os melhores políticos do Brasil teriam saído daqui, o melhor jogador de futebol do mundo, a maior lagoa do mundo e também a mais famosa modelo do mundo, cujo nome é ― já disse um de seus muitos fãs gaúchos ― o mesmo da sua motocicleta, de uma marca muito vendida na região da serra: XL. Não há um repórter gaúcho que não pronuncie com solenidade o nome do Aeroporto Internacional Salgado Filho, caprichando no internacional.
E a roupa de gaúcho? Bem, aqui é lei estadual (Lei 8.813/89): a pilcha gaúcha ― bombacha, bota, lenço, vestido de prenda, etc. ― não é fantasia nem traje folclórico. É traje oficial, de honra. Detalhe: “Será considerada ‘Pilcha Gaúcha’ somente aquela que, com autenticidade, reproduza com elegância, a sobriedade da nossa indumentária histórica, conforme os ditames e as diretrizes traçadas pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho.” Isso, somado ao fato de todos saberem cantar o hino do Rio Grande do Sul, festejando o 20 de setembro como se fosse feriado nacional, no mínimo, acentua muito nossa identidade cultural, ou nosso bairrismo, conforme preferem alguns. Não há quem não conheça as piadas de gaúcho contadas em todo Brasil. Dificilmente a gente escapa de algum comentário irônico, normalmente, levado na brincadeira. A crítica, parece-me, reforça ainda mais nossos hábitos, ou nossas manias, regionais.
Vistos por gente de fora, parecemos muito diferentes. Há algumas semanas conheci um jovem colega advogado que veio da Bahia para cá há mais ou menos quatro anos. Perguntei como se sentia em relação ao sul, e ele disse que gosta daqui, embora ainda não entenda bem muitos de nossos hábitos, especialmente quando envolvem o comportamento de homens e mulheres. Como assim? ― perguntei. Ele me explicou então que ficou muito surpreso ao descobrir que, em lugares onde se namora e dança, as mulheres, todas muito enfeitadas, ficam de um lado do salão e conversam entre elas, apenas olhando para os homens. Estes últimos, todos do lado oposto, bebem e conversam entre eles, também apenas olhando para as mulheres. Entre os grupos fica um espaço vazio. A coisa toda, para meu colega, é de difícil interpretação, pois não há conversas, apenas olhares. Os homens olham para as mulheres; as mulheres olham para os homens. Cuidam-se de longe até que um ou outro deles, os homens ― por alguma razão que foge por completo ao entendimento de meu colega ― destaca-se do grupo, atravessa o salão e dirige-se a uma das mulheres. Então vão dançar. Para ele, alegre, comunicativo, nascido e criado na Bahia, essa forma de “curtir uma balada” só acontece aqui.
Outro hábito absolutamente típico é o de possuir e de presentear pessoas amigas com facas. Gaúcho adora facas! Quanto mais enfeitadas, com cabo de prata, brilhantes e afiadas, mais eles gostam. E também se usa andar cada um com sua própria faca por aí afora, afinal, nunca se sabe quando sai um churrasco, e a lasquinha de carne que se tira da picanha, é tirada com a própria faca, momento em que os gaúchos (e as gaúchas também, evidentemente) podem exibir a beleza de suas respectivas facas. Nem pensar no que isso dá em São Paulo! Não adianta argumentar com paulistas que faca é arma branca e não arma de fogo, porque eles se sentem melindrados com essa diferença. Mais uma razão para eu nunca levar nenhuma de minhas lindas a facas para São Paulo, quando vou para lá... Paciência! Em Roma, afinal, deve-se fazer como os romanos.


Autor: Maristela Bleggi Tomasini

27 de janeiro de 2013

Por aí

É singular que essas imagens sejam reveladas apenas pela fotografia. São a própria subjetividade que emerge através da lente. Um vaso de plantas perdido no parque da Redenção. O macro, os ajustes, a cabeça, a expressão: o contexto passa a ser outro, e a imagem contará outra história, inspirada no objeto, mas sem nada a ver com ele, sua história ou sua utilidade. Fotografar é apropriar-se da luz, e fazer dela a matéria prima com que se constrói o imaginário.

20 de janeiro de 2013

Aborto

"O crescimento excessivo da população comparativamente aos meios naturais de subsistência é, na vida selvagem, um perigo contínuo. Isto nos explica a maior parte dos homicídios que, entre os povos primitivos, não apenas se cometem com impunidade, mas ainda são ordenados segundo a moral e a religião, fornecendo um título de glória. O aborto premeditado, que não ocorre entre os animais, é comum entre os selvagens. É preciso ir até o Zend-Avesta, para encontrar as primeiras proibições sobre este assunto. Entre os tasmanianos, as mulheres não consentem em se tornarem mães antes de muitos anos de casamento. Para conservarem seu frescor, elas tentam ou provocam o aborto, batendo no ventre com golpes redobrados. Ocorre o mesmo na Nova Caledônia. O aborto é bastante comum na América, na baía de Hudson e na baía do Orenoco. No Prata, os paiaguás fazem abortar suas mulheres depois que têm o segundo filho; assim fazem também os mbayas, seus vizinhos. Entre os papuas, as mulheres morrem jovens, pelo hábito geral de provocarem o aborto depois do primeiro ou segundo filho. Mas é, sobretudo, nas ilhas, onde encontramos menos recursos, que o homicídio e o aborto são permitidos. Em Formosa, onde a barbárie é menor, o aborto é comandado pela utilidade e moral públicas. As mulheres não podem ser mães antes de atingirem a idade de trinta e seis anos. Há sacerdotisas encarregadas fazê-las abortar, no caso de engravidarem antes dessa época."

Fonte: LOMBROSO, César. O Homem Delinqüente, Ricardo Lenz, Porto Alegre, 2001, p. 79/80.

16 de janeiro de 2013

Convite


Reticências


Quase sempre, acabamos transformando uma conversa numa disputa, depois numa briga, depois num mal-estar que perdura por dias, até que cedemos novamente. Ruim por perto, ruim também quando longe, porque sinto falta de alguma coisa nele que nem sei direito o que poderia ser. Nunca soube e acho que nunca vou saber. Ele também, eu acho. Presumo que soframos os dois como doidos cada vez que acontece uma briga que nos coloca um de cada lado. Contudo, de longe, continuamos sempre a nos espreitar reciprocamente, até que, devagar, um poupando o ego do outro, cuidadosamente, nos reaproximamos utilizando até uma linguagem cerimoniosa. Depois cedemos, um procurando lamber as feridas que provocou no outro.

8 de janeiro de 2013

Chapadinho é ótimo...

Sabe o viaduto da Borges? Este, lindo, que se chama Otávio Rocha. Pois é. A foto era para ser da cidade em perspectiva, mas já que o chapadinho insistiu...

6 de janeiro de 2013

Cartas de Amor


Eis um exercício particularmente perigoso: exprimir com estilo ao ser amado os desejos de seu coração. Encontrar a palavra justa, usar de metáforas, diferenciar frases muitas vezes escritas e reescritas. O autor de cartas de amor aspira tocar o inigualável. Célebres ou anônimos, os apaixonados apressam-se em declarar seu ardor. O suporte epistolar autoriza as confidências mais íntimas e as mais sensuais. 



[1] GAUDRY, Estelle. L’art d’aimer, de la seduction à la volupté.

Ai!