Pensando aqui se escrevo ou não que acho minha comida tão boa. Ridículo escrever uma coisa dessas. Não, nem sempre é tão boa, mas, em regra é, sim. Considerando a precariedade da cozinha, do tempo, a falta de muita coisa que gera a necessidade de improvisar. Uma lasca de bacon que corto e recorto e coloco para dourar no azeite com lâminas de alho. Não pode queimar. Controle da chama e, alcançada aquela temperatura que está quase lá, rodelinhas de linguiça mista fininha. Já o cheiro acontece com mais intensidade. Aguardo a cor que indica que o fogo, com seu poder transformador, arqueou as rodelinhas de linguiça. É hora do ovo. Um só. Que cai ali e se mistura, amalgamando cores. No calor de tudo, a farinha defumada que vai absorver a umidade que ainda resiste. Um toque de pimenta calabreza. Depois, azeitonas verdes picadas. Por último, pedacinhos de maçã gala. Tudo improviso. Toque final com salsinha picada. O risoto que fiz pouco antes é cheio de sabores. Tem carne desfiada e molho denso de tomate. Tem salsinha, pimenta, queijo grana e o brilho da manteiga. Faço tudo isso de olho no relógio, porque os processos tramitam entre prazos e boletos. Mas faço tudo muito atenta aos cheiros e às texturas. As coisas precisam se manter fiéis a si mesmas. O controle dos sabores deve ser rigoroso. Nada pode ser demais. O suficiente para que haja realce. A pimenta? Ah! Ela refresca tudo. É como uma rajada de vento que esfria um raio de sol, mas que, logo depois, faz com que ele fique ainda mais quente. A salsinha... o toque verde escuro que colore o prato. Provo um cubinho de maçã que me parece al dente, porque estava na medida certa e porque o leve adocicado que traz à farofa destaca o bacon, os mínimos pedacinhos que foram o primeiro ingrediente da farofa. Cozinhar é dominar uma ciência de misturas em que não pode haver inimizades. Mas ou menos como acontece com as palavras: se a regra é a harmonia, é preciso expô-la sempre às tensões que consagram doces e salgados, ingredientes suaves e ingredientes picantes, secos e molhados. Deve haver som, cores, e tudo funciona mais ou menos como nos textos em que palavras se encontram para temperar e operar sentidos do nosso paladar literário.