Não. Não falo aqui dessa desprezível felicidade materialista. Nada sobre ter ao lado a linda modelo ou o boy magia que faz o coração acelerar como motor daquele carro que foi lançado agora. Nada de consumismo. Quero falar daquela felicidade que brota diretamente da fonte interior da sua plenitude, ou seja, da sua alma, e não daquela lingerie caríssima que faz sucesso na passarela e que também deveria realçar sua beleza interior. Só não se emocione muito, porque, se o desprezível marketing materialista faz tudo para nos deslumbrar, a estratégia dos mestres ― atualmente transmutados em coachs ― não é menos impactante e plena com suas superofertas para alcançarmos a plenitude instantânea, ainda que customizada.
Essas novas fontes de sabedoria, à primeira vista, parecem irrefutáveis. Questioná-las é quase subversivo, conspiratório. Afinal, quem somos nós para duvidar de quem promete a felicidade em parcelas mensais que se ajustam aos nossos bolsos ou em um curso intensivo de final de semana? Mas vou me arriscar. Eu, particularmente, penso que já há tantos mestres da salvação por aí que um pouco de humor e ceticismo não fará mal a ninguém. Porque, convenhamos, a vida não é essa linha reta de gratidão eterna que nos apresentam, mas um emaranhado de desafios, de chatices e, ocasionalmente, de pequenas vitórias.
Há quem me fale de amargura. Não nego que eu talvez seja uma pessoa amarga. Mas isso o café também é, o que não o torna menos estimulante nem menos apreciado. Mão falta quem diga também que meu ceticismo seja fruto de um espírito seco e endurecido por supostas desilusões. Quanta dramaticidade! Bobagem. Pode ser que, aos olhos dos outros, eu seja esse ser árido que não sabe sorrir diante das promessas de alcançar a plenitude em sete dias, percorrer os sete raios e, finalmente, contatar os mestres da galáxia mais próxima. Mas a verdade é que, a maior parte do tempo, consigo encarar o que vem. O que a vida me dá é simplesmente a vida. Cabe a mim criar o sentido que essa vida terá. E eu faço o melhor que posso com o que recebo. E, vez ou outra, se paro para ouvir uma expressão esdrúxula; se descubro uma situação que me parece absurda; ou se um fato insólito me inspira, transformo esse ordinário cotidiano em algo interessante, ao menos para mim.
Como hoje, por exemplo. Bastou um momento de distração, uma palavra que soou absurda aos meus ouvidos, e lá estava eu, criando um texto. Tudo fluiu. Rapidinho dei forma à ideia, retoquei aqui e ali, e agora, veja só: tenho um novo texto. É isso. Não esperar nada da vida talvez seja o seu grande arcano. Um segredo não tão bem guardado, mas que poucos se permitem praticar. Quando nada se espera, o que vem é lucro.
Porque não há nenhuma arte de viver empacotada e pronta. Diria mesmo que não se trata de arte, mas de uma artimanha. Uma espécie de truque improvisado que, de vez em quando, se revela generoso e até divertido. Apesar dos chatos. Eles estão por toda parte, onipresentes, sempre ostentando sua propalada onipotência. Alguns deles apontam dedos e ditam regras sobre como viver, o que sentir e até o que comer para “evoluir”. A maioria desses chatos é inofensiva, e eles só vão te incomodar se você os levar muito a sério. O segredo é ser gentil, sorrir e seguir fazendo o que decidimos fazer.
Então, voltemos à pergunta inicial: você é feliz? Talvez a resposta não esteja nos clichês que encontramos por aí. Talvez esteja nas pequenas coisas – como rir de si mesmo, aceitar o improvável e não levar a vida tão a sério. No fundo, não é sobre esperar grandes revelações ou transformações milagrosas. É sobre a arte de saber aproveitar o que aparece no caminho. Porque, sinceramente, se a felicidade for mesmo algo que se compra, ainda prefiro gastar o meu dinheiro com uma boa coca zero e um bife bem suculento. Sem culpas. E longe dos chatos.
Imagem criadas por IAs