Faz pelo menos vinte e
cinco anos que vou ao mesmo salão. A Luísa, que começou como minha cabeleireira,
virou amiga — daquelas que já sabem dos silêncios, que olham pelo espelho e
entendem o que não se disse. Muita gente ali é assim. Clientes de longa data,
histórias cruzadas entre tinturas, cortes e cafés. Às vezes, parece mais uma
pequena comunidade do que um salão.
Naquele dia, minha hora
seria logo depois de um cliente especial. Luísa já tinha me contado dele
algumas vezes, com um cuidado que é só dela. Eu tomava um café quando ele
chegou, acompanhado da mãe.
Ele devia ter mais de
cinquenta. A mãe, bem mais. Talvez setenta e muitos. Vestia-se com elegância
simples, dessas que vêm de tempos antigos. Estava arrumada, com os cabelos
presos e as unhas feitas. Mas as mãos tremiam. O filho era magro, moreno,
cabelo encaracolado e comprido, barba por fazer, grandes suíças. Sentou-se com
ajuda. Ajeitou-se na cadeira como pôde, e as pernas não paravam de se mover.
Luísa o acolheu com
aquele jeito leve, sem cerimônia. Prendeu a capa em volta do pescoço dele,
ajustou com delicadeza, como se arrumasse um laço. Perguntou sobre música. Ele
respondeu que tocava de vez em quando. A voz era quase neutra, o olhar oblíquo,
perdido em algum ponto que ninguém mais via.
A mãe, à margem da
cadeira, observava com atenção. Em silêncio. Os olhos não saíam dele. Quando
Luísa começou a cortar os fios, ela me olhou. E eu vi — nos olhos dela, algo
que pesava muito mais do que aquele corpo trêmulo deixava mostrar.
Aproximou-se de mim como
quem não quer incomodar. E disse baixo, com esforço:
— Ele tinha 17 anos
quando isso se manifestou. Desde então, nunca mais... você sabe, né? A...
esquizo...
Assenti. Ela não esperava
uma resposta.
Fez uma pausa. Depois
falou outra vez, agora olhando bem nos meus olhos. A voz firme, sem lágrimas,
sem cena. Só verdade:
— E agora eu, com esta
doença. Esse mal de Parkinson. Penso em como vai ser. Porque, sabe? Eu não
posso adoecer. Eu não posso morrer. Tenho que levá-lo toda semana pro
tratamento. Ele faz eletrochoques. Daí melhora. Preciso cuidar dele.
(Respirou fundo.)
— Por isso não posso
morrer.
(Fez mais uma pausa.
Olhou para o filho, e então concluiu.)
— Se eu morrer... ninguém
vai amá-lo.
A frase saiu assim. Sem
drama. Como quem fala do tempo ou do preço do pão. Mas ficou no ar como um
espinho — fino, invisível, impossível de arrancar.
O corte terminou. Luísa
ajeitou os últimos fios, limpou o pescoço dele com o mesmo cuidado de quem
penteia uma criança. A mãe agradeceu. Acertaram a conta. E saíram, os dois,
devagar.
A porta fechou-se com o
barulho suave do sininho pendurado no alto. Luísa e eu nos olhamos. E calamos.
Não havia o que dizer.