17 de julho de 2021

Lápis de cor


 Sempre que estou diante de um lápis de cor, volto ao passado. Esse material simples era, na prática, um dos primeiros disponibilizados às crianças do meu tempo, que se transformaram nos idosos deste tempo. Usava-se lápis de cor antes dos crayons, antes das têmperas, das aquarelas e bem antes das tintas de base oleosa. Era uma espécie de hierarquia. Adquiria-se o "direito" ao uso de certos materiais, conforme nos mostrássemos mais um menos competentes no emprego das técnicas reservadas a cada um. Todavia, a primeira "prova" era aprender a colorir com lápis de cor. Com o tempo,  afastei-me deles. Acabaram  desparceirados. Muitos sem ponta, relegados  ao exílio, amontoados em caixas guardadas naqueles cantos da casa que são habitados pelos duendes domésticos. — É óbvio que eles existem!  — Recentemente, porém, resolvi brincar com meus lápis de cor e, na mesma hora, voltei no tempo. Tão bom não ter a menor preocupação em mostrar técnica ou competência. O único objetivo é brincar. Brincar de fazer acontecer um céu estrelado do qual me aproprio no meio da noite, nas madrugadas proibidas que acontecem só depois da meia-noite, quando brilham estrelas gigantes, quase do tamanho da lua que não é nem tão redonda assim. E a cor não é preta, porque esses céus devem puxar o tom de um veludo que minha mãe chamava de "azul noite" e que era muito "chic" e macio. Tenho, pois, para mim, secretamente, que os lápis de cor devem ser mágicos. Basta encostar suas pontas  no papel e deixar que se movam à vontade, para que aconteçam essas coisas tão prosaicas quanto esse desenho. Depois, olhando bem para esse céu de lua achatada e de estrelas tortas, dá vontade de escrever coisas assim, que as traças devoram, inexoravelmente.