Ah, tá estranhando o quê?
A gente já teve a mesma idade dela. Pára para pensar! Também praticamos esse mesmo bullyng contra os velhos. Tivemos a mesma idade e não éramos diferentes. Basta lembrar que nós também pensávamos assim e sentíamos assim as pessoas que o tempo já havia modificado. A pele muda, cabelo, voz, corpo... A gente fica mais feio, menos atraente ao tato, visão, olfato, aos sentidos enfim. Amolecemos, mudamos de cor, perdemos brilho, dentes, paladar, a pele mancha, enferruja, fica transparente. Engordamos em algumas partes enquanto outras murcham. Não conseguimos mais fazer coisas sem cansar. Não temos mais equilíbrio. Os reflexos funcionam, mas... não são mais confiáveis. Escadas, cadeiras, estantes, a noite, caminhadas, peso a carregar, tudo nos assusta.
Fomos crianças e jovens tão impiedosos quanto ela.
Eu achava gente de quarenta muito feia, e já muito velha. Jovem era ter menos de vinte. Trinta já era assustador. Com 50, definitivamente, a semi-secularidade impunha-se.
E ainda acho.
Contudo, se o tempo do qual dispusemos esses anos todos foi bem aproveitado, certamente adquirimos algumas habilidades que até podem servir para alguma coisa. Pouca, é verdade, mas ainda assim alguma coisa. Eu amontoei tesouros de letras. Nem todas as traças do mundo conseguiriam devorar todas elas.
E me enxergo também. Esta habilidade eu não perdi, infelizmente.