9 de outubro de 2011

Panoptismo

Eis as medidas que se faziam necessárias, segundo um regulamento do fim do século XVII, quando se declarava a peste numa cidade. 1 Em primeiro lugar, um policiamento espacial estrito: fechamento, claro, da cidade e da «terra», proibição de sair sob pena de morte, fim de todos os animais errantes; divisão da cidade em quar­teirões diversos onde se estabelece o poder de um intendente. Cada rua é colocada sob a autoridade de um síndico; ele a vigia; se a deixar, será punido de morte. No dia designado, ordena-se a todos que se fechem em suas casas: proibido sair sob pena de morte. O próprio síndico vem fechar, por fora, a porta de cada casa; leva a chave, que entrega ao intendente de quarteirão; este a conserva até o fim da quarentena. Cada família terá feito suas provisões; mas para o vinho e o pão, se terá preparado entre a rua e o interior das casas pequenos canais de madeira, que permitem fazer chegar a cada um sua ração, sem que haja comunicação entre os fornecedores e os habitantes; para a carne, o peixe e as verduras, utilizam-se roldanas e cestas. Se for absolutamente necessário sair das casas, tal se fará por turnos, e evitando-se qualquer encontro. Só circulam os intendentes, os síndicos, os soldados da guarda e também entre as casas infectadas, de um cadáver ao outro, os «corvos», que tanto faz abandonar à morte: é «gente vil, que leva os doentes, enterra os mortos, limpa e faz muitos ofícios vis e abjetos». Espaço recortado, imóvel, fixado. Cada qual se prende a seu lugar. E caso de mexa, corre perigo de vida, por contágio ou punição. Archives militaires de Vicennes, in FOUCAULT, Michel, Vigiar e Punir. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010, p. 186.