1 de novembro de 2009

AS CARTAS XXV


Carta de Francisco para Maria de 15 de dezembro de 1924.
Maria,
Todo arremesso sentimental, por sorte ou infelicidade minha, possui, sobre mim, uma força única, poderosa, que tem seu reflexo num abatimento de nervos que me atira, por algum tempo, num estado de abstração indefinível.
Ontem, após aquela longa e torturante situação de dúvida “hamlética”, em face de um ato, cuja decorrência talvez receasses, tu me abandonaste à tristeza dolorosa do meu isolamento. Bem compreendes isso, como bem compreendi eu a tragédia emocional do teu espírito. A hesitação em último grau, enleiante, desfalecedora, se fixava em todos os teus gestos. A indecisão prendia, bárbara, sem piedade, o mecanismo dos teus movimentos naturais, impedindo, assim, uma firme e espontânea realização da tua vontade. Torturava-te um vago temor, com raízes, quem sabe, na consciência do amargo efeito que iria produzir em mim o teu procedimento.
E a resolução, afinal, aportou. Tu partiste. Fugiste do meu amor, da minha adoração pura, eterna, para a transitoriedade da admiração, por amor da pompa. Da gloria deste amor tão infeliz correste para o esplendor efêmero de uma exibição. Bem valeu, de certo, essa tua eleição, a tua preferência. Qualquer coisa esperavas. Ela veio... És mulher demais para te enganar...
O brilho, ainda que rápido e fugaz, de um salão embora pequenino de família, atraía-te. E tu foste para ele e para outras possibilidades...E depois, pobres de nós! O nosso amor está tão velho... Falta-lhe o encanto das revelações. Não lhe dá mais prestígio a novidade das primeiras emoções, que reside no segredo, no mistério. Nós já somos tão conhecidos um do outro. Tu sabes quem eu sou, eu sei quem tu és... Nós nos entendemos tanto...
Não sei até se era bom acabar com isso... Nem sei mesmo... O acaso decide tudo... O primeiro olhar... o primeiro contato... Depende disso, afinal, o amor...
E, demais, acabar com isso por meio de carta é tão banal já, tão repetido. Não tem nem o relevo dos lances dramáticos do terceiro ou do quarto ato... Acada tao fria, tão “ïmediatamente”. As paixões não se acendem, os diálogos, ardentes de comoção, não relampagueiam, e a “tragédia epistolar” não termina nunca com o clássico gesto romântico do enxugar das lágrimas derramadas.
Por isso eu não quero “acabar com isso” por carta. Em amor, eu sou ator trágico moderado...
Do
Francisco
15-XII-MCMXXIV


Observação: Esta é a última carta de 1924 que tenho. O ano termina, mas o romance entre Francisco e Maria prossegue. Há muito mais cartas. Na medida do possível, vou postás-la, pois cada vez mais me convenço de sua importância como amostra da capacidade de expressão profunda que elas demonstram da parte de Francisco que, muitas vezes, me parece vocacionado ao sofrimento, embora com isso não ignore que tortura sua Maria.