Carta de Francisco para Maria de 07 de novembro de 1924.
Maria,
Agora que a minha dor dói menos, eu posso escrever-te, tendo consciência do que sinto. O desvario, a que me arrastou o grande golpe d’alma de terça-feira, mudou-se em dolorosa resignação. Compreendo hoje, com toda a nitidez, o que apenas sentia antes, quando dominado, sem forças, pela divina loucura do amor.
Amar é sofrer. Sofrer, não tão só a dor, mas o prazer, a alegria, a vida! Sofrer a tortura que passou, a tortura que é, a tortura que virá. Sofrer a dor já adormecida no passado, pela memória; sofrer a dor que nos espera no futuro, pela imaginação. Sofrer o mistério de todas as coisas. Sofrer a ânsia de um ideal de arte, que se realiza pelo amor, máxima manifestação da vida. Sofrer a incompreensão do infinito. Sofrer a beleza que nos extasia. Sofrer a perfeição, que nos enleva e abate. Sofrer a fina melancolia dos crepúsculos, na hora em que se ouve pelos olhos... Sofrer o esplendor das madrugadas cor de sangue. Sofrer a alucinação do movimento turbilhonante, expressão característica da vida moderna. Sofrer a piedosa ilusão, dentro da enganosa aparência das coisas. Sofrer o incognoscível. Sofrer o inatingível. Sofrer o impersecutável. Sofrer a dor universal. Em suma, sofrer a vida. Sofrer... Assim é, para mim, a contemplação da beleza, a realização de um sonho de arte, toda revelação do amor, toda a manifestação da vida. Maravilhar-se diante da beleza, realizar um sonho de arte, emocionar-se ao contato do amor, comover-se diante da vida, sofrendo sempre a deliciosa e divina tortura do gozo.
Sofrer, mas bendizendo o sofrimento, pela sublimidade do motivo.
Assim eu amo, assim eu vivo.
Quanto ao nosso caso, acho que não devemos nos explicar. Que poderia eu dizer-te? Que me responderias tu? Se eu te explicasse, talvez rompêssemos. E tu mesma me disseste que, por este preço, não querias explicação... Lembra-te?
E, depois, para explicar, eu teria que recordar certos detalhes amargos do meu passado; certos pedaços dolorosos da minha vida... Seria sofrer, tão cedo, de novo, a mesma dor.
Foi um simples incidente de amor, nascido, somente, de meu demasiado amor por ti.
Esquece-o. E não me o relembres nunca.
Do teu
Francisco