“Que advirá ao jovem compelido a essa miserável sociedade, aquela das prisões? Pela primeira vez, ouvirá ressoar, em seus ouvidos, a longa barbárie dos Cartouche e dos Poulailler, a ignóbil gíria. Infeliz desse jovem, se não se puser, imediatamente, a seu nível, se não adotar seus princípios e sua linguagem. Seria declarado indigno de estar ao lado de seus ‘amigos’! Suas reclamações não seriam ouvidas pelos próprios guardas que se inclinam sempre a proteger os chefes. O jovem não obteria outro resultado senão o de excitar contra si a cólera do carcereiro que é, de hábito, um antigo forçado. Em meio a essa vergonha, a esse cinismo de gestos e palavras, o infeliz enrubesce com o resto de pudor e de inocência que tinha ao entrar. Arrepende-se de não haver sido tão criminoso quanto seus confrades. Ele teme seus brocardos, seu desprezo, e isso explica a razão pela qual certos forçados se acham melhor aí do que no seio da sociedade onde não recolheriam senão desdém. Quem, pois, consentiria em viver desprezado? Assim o jovem toma como exemplo esses bons modelos... Em dois ou três dias chegará a falar sua língua e, então, não será mais um pobre simplório: os amigos poderão apertar-lhe a mão sem medo de se comprometer. Observe-se bem que não é senão aí que aparece a glória por parte desse rapaz que enrubescia ao passar por noviço. A mudança operou-se na forma mais que no fundo. Dois ou três dias passados nessa cloaca não poderão pervertê-lo inteiramente, mas tranqüilizem-se: o primeiro passo foi dado e ele não ficará no meio do caminho”.
O texto é de autoria de Pierre François Lacenaire (1800-1836) que foi poeta e também um famoso assassino. A citação aparece em LOMBROSO, César. O Homem Delinqüente, Ricardo Lenz Editor, Porto Alegre, 2001, Cap. XII, dedicado à Literatura dos Criminosos, pág. 492.
23 de novembro de 2009
Lacenaire, assassino, poeta e escritor.
15 de novembro de 2009
Tédio
Entediar-se é fazer-se presente para si e ausentar-se dos outros. É o aprendizado do silêncio, da palavra engolida, da língua travada. No tédio, temos a nós mesmos, num tempo que se emprega na descoberta de fundos e de formas capazes de abrigar as nossas criações.
5 de novembro de 2009
2 de novembro de 2009
Lindas Revistas
Lindas edições dedicadas à pequena história. Episódios relatados em detalhes, com extremo cuidado. Ainda é possível encontrá-las em sebos.
1 de novembro de 2009
AS CARTAS XXV
Carta de Francisco para Maria de 15 de dezembro de 1924.
Maria,
Todo arremesso sentimental, por sorte ou infelicidade minha, possui, sobre mim, uma força única, poderosa, que tem seu reflexo num abatimento de nervos que me atira, por algum tempo, num estado de abstração indefinível.
Ontem, após aquela longa e torturante situação de dúvida “hamlética”, em face de um ato, cuja decorrência talvez receasses, tu me abandonaste à tristeza dolorosa do meu isolamento. Bem compreendes isso, como bem compreendi eu a tragédia emocional do teu espírito. A hesitação em último grau, enleiante, desfalecedora, se fixava em todos os teus gestos. A indecisão prendia, bárbara, sem piedade, o mecanismo dos teus movimentos naturais, impedindo, assim, uma firme e espontânea realização da tua vontade. Torturava-te um vago temor, com raízes, quem sabe, na consciência do amargo efeito que iria produzir em mim o teu procedimento.
E a resolução, afinal, aportou. Tu partiste. Fugiste do meu amor, da minha adoração pura, eterna, para a transitoriedade da admiração, por amor da pompa. Da gloria deste amor tão infeliz correste para o esplendor efêmero de uma exibição. Bem valeu, de certo, essa tua eleição, a tua preferência. Qualquer coisa esperavas. Ela veio... És mulher demais para te enganar...
O brilho, ainda que rápido e fugaz, de um salão embora pequenino de família, atraía-te. E tu foste para ele e para outras possibilidades...E depois, pobres de nós! O nosso amor está tão velho... Falta-lhe o encanto das revelações. Não lhe dá mais prestígio a novidade das primeiras emoções, que reside no segredo, no mistério. Nós já somos tão conhecidos um do outro. Tu sabes quem eu sou, eu sei quem tu és... Nós nos entendemos tanto...
Não sei até se era bom acabar com isso... Nem sei mesmo... O acaso decide tudo... O primeiro olhar... o primeiro contato... Depende disso, afinal, o amor...
E, demais, acabar com isso por meio de carta é tão banal já, tão repetido. Não tem nem o relevo dos lances dramáticos do terceiro ou do quarto ato... Acada tao fria, tão “ïmediatamente”. As paixões não se acendem, os diálogos, ardentes de comoção, não relampagueiam, e a “tragédia epistolar” não termina nunca com o clássico gesto romântico do enxugar das lágrimas derramadas.
Por isso eu não quero “acabar com isso” por carta. Em amor, eu sou ator trágico moderado...
Do
Francisco
15-XII-MCMXXIV
Maria,
Todo arremesso sentimental, por sorte ou infelicidade minha, possui, sobre mim, uma força única, poderosa, que tem seu reflexo num abatimento de nervos que me atira, por algum tempo, num estado de abstração indefinível.
Ontem, após aquela longa e torturante situação de dúvida “hamlética”, em face de um ato, cuja decorrência talvez receasses, tu me abandonaste à tristeza dolorosa do meu isolamento. Bem compreendes isso, como bem compreendi eu a tragédia emocional do teu espírito. A hesitação em último grau, enleiante, desfalecedora, se fixava em todos os teus gestos. A indecisão prendia, bárbara, sem piedade, o mecanismo dos teus movimentos naturais, impedindo, assim, uma firme e espontânea realização da tua vontade. Torturava-te um vago temor, com raízes, quem sabe, na consciência do amargo efeito que iria produzir em mim o teu procedimento.
E a resolução, afinal, aportou. Tu partiste. Fugiste do meu amor, da minha adoração pura, eterna, para a transitoriedade da admiração, por amor da pompa. Da gloria deste amor tão infeliz correste para o esplendor efêmero de uma exibição. Bem valeu, de certo, essa tua eleição, a tua preferência. Qualquer coisa esperavas. Ela veio... És mulher demais para te enganar...
O brilho, ainda que rápido e fugaz, de um salão embora pequenino de família, atraía-te. E tu foste para ele e para outras possibilidades...E depois, pobres de nós! O nosso amor está tão velho... Falta-lhe o encanto das revelações. Não lhe dá mais prestígio a novidade das primeiras emoções, que reside no segredo, no mistério. Nós já somos tão conhecidos um do outro. Tu sabes quem eu sou, eu sei quem tu és... Nós nos entendemos tanto...
Não sei até se era bom acabar com isso... Nem sei mesmo... O acaso decide tudo... O primeiro olhar... o primeiro contato... Depende disso, afinal, o amor...
E, demais, acabar com isso por meio de carta é tão banal já, tão repetido. Não tem nem o relevo dos lances dramáticos do terceiro ou do quarto ato... Acada tao fria, tão “ïmediatamente”. As paixões não se acendem, os diálogos, ardentes de comoção, não relampagueiam, e a “tragédia epistolar” não termina nunca com o clássico gesto romântico do enxugar das lágrimas derramadas.
Por isso eu não quero “acabar com isso” por carta. Em amor, eu sou ator trágico moderado...
Do
Francisco
15-XII-MCMXXIV
Observação: Esta é a última carta de 1924 que tenho. O ano termina, mas o romance entre Francisco e Maria prossegue. Há muito mais cartas. Na medida do possível, vou postás-la, pois cada vez mais me convenço de sua importância como amostra da capacidade de expressão profunda que elas demonstram da parte de Francisco que, muitas vezes, me parece vocacionado ao sofrimento, embora com isso não ignore que tortura sua Maria.
AS CARTAS XXIV
Carta de Francisco para Maria de 07 de novembro de 1924.
Maria,
Agora que a minha dor dói menos, eu posso escrever-te, tendo consciência do que sinto. O desvario, a que me arrastou o grande golpe d’alma de terça-feira, mudou-se em dolorosa resignação. Compreendo hoje, com toda a nitidez, o que apenas sentia antes, quando dominado, sem forças, pela divina loucura do amor.
Amar é sofrer. Sofrer, não tão só a dor, mas o prazer, a alegria, a vida! Sofrer a tortura que passou, a tortura que é, a tortura que virá. Sofrer a dor já adormecida no passado, pela memória; sofrer a dor que nos espera no futuro, pela imaginação. Sofrer o mistério de todas as coisas. Sofrer a ânsia de um ideal de arte, que se realiza pelo amor, máxima manifestação da vida. Sofrer a incompreensão do infinito. Sofrer a beleza que nos extasia. Sofrer a perfeição, que nos enleva e abate. Sofrer a fina melancolia dos crepúsculos, na hora em que se ouve pelos olhos... Sofrer o esplendor das madrugadas cor de sangue. Sofrer a alucinação do movimento turbilhonante, expressão característica da vida moderna. Sofrer a piedosa ilusão, dentro da enganosa aparência das coisas. Sofrer o incognoscível. Sofrer o inatingível. Sofrer o impersecutável. Sofrer a dor universal. Em suma, sofrer a vida. Sofrer... Assim é, para mim, a contemplação da beleza, a realização de um sonho de arte, toda revelação do amor, toda a manifestação da vida. Maravilhar-se diante da beleza, realizar um sonho de arte, emocionar-se ao contato do amor, comover-se diante da vida, sofrendo sempre a deliciosa e divina tortura do gozo.
Sofrer, mas bendizendo o sofrimento, pela sublimidade do motivo.
Assim eu amo, assim eu vivo.
Quanto ao nosso caso, acho que não devemos nos explicar. Que poderia eu dizer-te? Que me responderias tu? Se eu te explicasse, talvez rompêssemos. E tu mesma me disseste que, por este preço, não querias explicação... Lembra-te?
E, depois, para explicar, eu teria que recordar certos detalhes amargos do meu passado; certos pedaços dolorosos da minha vida... Seria sofrer, tão cedo, de novo, a mesma dor.
Foi um simples incidente de amor, nascido, somente, de meu demasiado amor por ti.
Esquece-o. E não me o relembres nunca.
Do teu
Francisco
Maria,
Agora que a minha dor dói menos, eu posso escrever-te, tendo consciência do que sinto. O desvario, a que me arrastou o grande golpe d’alma de terça-feira, mudou-se em dolorosa resignação. Compreendo hoje, com toda a nitidez, o que apenas sentia antes, quando dominado, sem forças, pela divina loucura do amor.
Amar é sofrer. Sofrer, não tão só a dor, mas o prazer, a alegria, a vida! Sofrer a tortura que passou, a tortura que é, a tortura que virá. Sofrer a dor já adormecida no passado, pela memória; sofrer a dor que nos espera no futuro, pela imaginação. Sofrer o mistério de todas as coisas. Sofrer a ânsia de um ideal de arte, que se realiza pelo amor, máxima manifestação da vida. Sofrer a incompreensão do infinito. Sofrer a beleza que nos extasia. Sofrer a perfeição, que nos enleva e abate. Sofrer a fina melancolia dos crepúsculos, na hora em que se ouve pelos olhos... Sofrer o esplendor das madrugadas cor de sangue. Sofrer a alucinação do movimento turbilhonante, expressão característica da vida moderna. Sofrer a piedosa ilusão, dentro da enganosa aparência das coisas. Sofrer o incognoscível. Sofrer o inatingível. Sofrer o impersecutável. Sofrer a dor universal. Em suma, sofrer a vida. Sofrer... Assim é, para mim, a contemplação da beleza, a realização de um sonho de arte, toda revelação do amor, toda a manifestação da vida. Maravilhar-se diante da beleza, realizar um sonho de arte, emocionar-se ao contato do amor, comover-se diante da vida, sofrendo sempre a deliciosa e divina tortura do gozo.
Sofrer, mas bendizendo o sofrimento, pela sublimidade do motivo.
Assim eu amo, assim eu vivo.
Quanto ao nosso caso, acho que não devemos nos explicar. Que poderia eu dizer-te? Que me responderias tu? Se eu te explicasse, talvez rompêssemos. E tu mesma me disseste que, por este preço, não querias explicação... Lembra-te?
E, depois, para explicar, eu teria que recordar certos detalhes amargos do meu passado; certos pedaços dolorosos da minha vida... Seria sofrer, tão cedo, de novo, a mesma dor.
Foi um simples incidente de amor, nascido, somente, de meu demasiado amor por ti.
Esquece-o. E não me o relembres nunca.
Do teu
Francisco
Assinar:
Postagens (Atom)