Ser ou não ser, eis a questão. Acaso/ É mais nobre a cerviz curvar aos golpes/ Da ultrajosa fortuna, ou japa lutando/ Extenso mar vencer de acerbos males?/ Morrer, dormir, não mais. E um sono apenas,/ Que as angústias extingue e à carne a herança/ Da nossa dor eternamente acaba,/ Sim, cabe ao homem suspirar por ele./ Morrer, dormir. Dormir? Sonhar, quem sabe!/ Ai, eis a dúvida. Ao perpétuo sono,/ Quando o lodo mortal despido houvermos,/ Que sonhos hão de vir? Pesá-lo cumpre,/ Essa a razão que os lutuosos dias/ Alonga do infortúnio. Quem do tempo/ Sofrer quisera ultrajes e castigos,/ Injúrias da opressão, baldões de orgulho,/ Do mal prezado amor choradas mágoas,/ Das leis a inércia, dos mandões a afronta,/ E o vão desdém que de rasteiras almas/ O paciente mérito recebe,/ Quem, se na ponta da despida lâmina/ Lhe acenara o descanso? Quem ao peso/ De uma vida de enfados e misérias/ Quereria gemer, se não sentira/ Terror de alguma não sabida coisa/ Que aguarda o homem para lá da morte,/ Esse eterno país misterioso/ Donde um viajor sequer há regressado?/ Este só pensamento enleia o homem; / Este nos leva a suportar as dores/ Já sabidas de nós, em vez de abrirmos/ Caminho aos males que o futuro esconde,/ E a todos acovarda a consciência./ Assim da reflexão à luz mortiça/ A viva cor da decisão desmaia;/ E o firme, essencial cometimento,/ Que esta idéia abalou, desvia o curso,/ Perde-se, até de ação perder o nome.
Para quem não sabia desse lado de Machado de Assis, aí está a amostra de um trabalho seu de tradução, valendo lembrar que ele foi um autodidata. Achei este arquivo guardado faz alguns anos, e pensei ser uma boa idéia compartilhá-lo com vocês.