10 de dezembro de 2024

Velhice

Naturalmente, a velhice é um fato biológico. Apesar dessa fatalidade, a velhice é também uma construção social. Culturalmente, então, o processo do envelhecimento é interpretado a partir de valorações distintas acerca de quem é o velho: esse ser que se presta a tantos estereótipos, seja para ser rejeitado e excluído, desprezado e mesmo hostilizado. A questão mais interessante que a velhice coloca é o fato de ela não ser uma escolha nossa. Ao contrário: são os outros que nos conferem essa condição a partir de certo limiar. Desde então, queiramos ou não, os olhares que atraímos passam a ser outros, como outros passam a ser também os lugares que ocupamos. Envelhecer tem muito de dramático, mas tem também muito de ridículo. Lidar com isso, todavia, é uma decisão muito pessoal. Particularmente, procuro capitalizar socialmente essa condição: afinal, posso furar a fila e dizer palavrões que, na boca de uma criança, de uma adolescente ou de uma jovem, seriam inapropriados. Também posso pensar com mais liberdade. Se o corpo me constrange, porque toda força deve ser conquistada laboriosamente com pesos e exercícios; se a visão embaralha as letras dos meus amados livros, de sorte que não posso mais ficar impunemente longe dos meus óculos; se partes de mim teimam em não me obedecer, percebo que muitas coisas que eu não percebia agora me aparecem muito claramente, e não é raro que eu esteja sempre, ou quase sempre, duas jogadas à frente de certos propósitos e intenções. A juventude é transparente; a maturidade de alguns é sombria em suas ambições. Os olhares e as palavras não escondem mais nada de quem aprendeu a negociar com o tempo no mercado das perdas e danos, dos lucros cessantes. Porque o tempo é realmente um luxo, e não há luxo maior do que investir nele. E quanto ao resto: foda-se.