Daí as letras saem por si mesmas. Mancham o papel virtual que é branco como brancos são os meus pensamentos de agora, e como branca a tolha da mesa. Há dias em que os ódios sossegam e até as simpatias cedem à expectativa despertada pelo cheiro que sai de dentro do meu forno. Oliva, essa divindade escorreita que dramatiza todos os sabores. Já ouvi dizer que com azeite tudo desce. A nota suave de um único dente de alho que, embebido na essência da oliva, deita seu suco sobre uma folha de louro. Fragmentos da pimenta vermelha dão vida às fatias de bacon seguramente presas à superfície gorda do pernil. Fogo baixo inicialmente vai despertando sabores e perfumes insinuantes. Inspiração. Sossego. Por mais simples que sejam os ingredientes, há neles uma nobreza que nossa performance pode conferir a qualquer alimento. O que for bem feito, será sempre supremo remédio. Não creio que a chamada pedra filosofal, que renova as energias extraviadas, esteja perdida. Não está. Todo chumbo pode ser transmutado no ouro da alma harmonizada consigo e com o mundo. Não há lugar para sentimentos rasteiros, nem para mastigar o fel das almas penadas, sempre ocupadas com seus mesquinhos desejos. Nada disso. Apenas a festa que tem lugar na minha pequena cozinha alquímica, onde tudo se tranforma no alimento que revova corpo e alma. De fato, apetite é tudo. E cozinhar é mágico.