13 de novembro de 2022

Insistência


 Minha buganvília chegou aqui já com vaso especialmente comprado para ela. Planta legitimada pela origem: floricultura de beira de estrada, com direito a escolha múltipla e muitas recomendações. Chegou forte, bem enraizada. Apesar dos meus cuidados, e apesar de todo sol de que tanto gosta, ela nunca ficou bonita como as outras, as que nascem aqui no bairro, e ocupam até as calçadas. Enfim, a minha pobre mudinha acabou menor do que chegou, viveu por dois anos, floresceu parcimoniosamente, agonizou e morreu. Ressecou, toda quebradiça. Como há uma hera que ocupa o mesmo vaso, o que restou do tronco seco ficou ali.
Há alguns dias eu a mudei de lugar, pensando em arrumar outra moradora para o vaso de cerâmica. Entretanto, ao arrumar a hera e os trevos que compartilham o mesmo espaço, descobri os brotos. Os galhos secos ainda têm seiva, e isso parece ser o bastante para que a vida volte à luz. Por teimosia, talvez. Pura insistência. 

8 de novembro de 2022

Encontro

 

Hoje, tempos em que se aprendeu a viver num agora que é para sempre, não temos mais a memória do tempo em que se dizia não quando se queria dizer sim, e vice-versa. Nada mais sabemos dos desejos velados, nem dos amores contrariados, obrigados a viver numa espécie de masmorra cordial. Somos, no presente, muito ricos dessas máquinas que semeiam letras perfeitas numa folha de papel eletrônica, à qual falta, no entanto, a aspereza do atrito, o cheiro da tinta, a marca da hesitação assinalada no tremor da escrita.

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Encontro meus pensamentos espalhados por aí e me reconheço por simpatia. Dez anos se foram desde o Diário de Francisco, e parece que a dinâmica do tempo que identifiquei apenas por convicção literária bem poderia ser filosófica, aliás, em boa parte. 

2 de novembro de 2022

Silêncios


Eu, meus livros e tua sempre presente ausência.

Palavras não ditas.

Silêncios.


O Artista

 

O artista romântico figura o porta-voz de uma verdade que ele é o único a poder transmitir. Sua valorização do sonho e do sobrenatural, seu gosto pelos grandes sentimentos e sua paixão pelo inútil opõem-se ao materialismo, ao positivismo e, sobretudo, ao utilitarismo social. Frequentemente incompreendido, marginal ou revoltado contra a antiga ordem, o artista romântico parece-se muito com o “eremita de Croisset”.

CASIN-PELLEGRINI, Catherine, Notas apud Flaubert, Gustave. Lettres à Louise Colet, Paris: Magnard, 2003, p. 161. (Tradução livre das autoras)


Notinha: O eremita de Croisset é Gustave Flaubert.