13 de outubro de 2022

Apocalittici e Integrati


E pensar que Umberto Eco, em 1965, tinha uma visão tão exata do que a indústria cultural já prometia fazer. Impressiona. Acho que mais que isso: apaixona. Observar que a indústria cultural nasceu com Gutemberg é dizer tudo. Fora a arbitragem que dá título ao livro. Ele se desculpa, e explica bem esse título.  Contudo, verdade é que, cada vez mais, se acentua essa divisão entre apocalittici e integrati. Sábia divisão, ainda mais quando nos alerta para o fato de sermos todos movidos pela cultura de massa, querendo ou não, concordando ou não. Os apocalípticos são a turma que se preocupa com a velha decadência, sobre a qual teorizam, enquanto os integrados raramente teorizam, porque operam, produzem e se comunicam em todos os níveis. Obcecados pelo "apocalipse", imagem que projetam sobre a cultura de massa, os apocalípticos escrevem sobre ela, enquanto os integrados produzem textos da cultura de massa. Assim, muito embora tais facções contrárias disputem espaço e razão, são apenas as duas faces de um mesmo problema. E os textos apocalípticos, afinal, não representam eles o mais sofisticado produto que se oferece ao consumo de massa? A crítica popular da cultura popular termina por criar essa divisão que, mesmo oposta, só a reforça, porque, em última análise, fato é que apocalípticos e integrados nascem e se movem em função do que uns criticam e outros integram. O primeiro consola o leitor, mostrando-lhe que, no fundo da catástrofe, haveria uma comunidade de super-homens capazes de se erguer acima da banalidade da mass media: nós, unidos, não seremos massa, diriam esses super-homens. Trata-se de recusar a banalidade imperante, recusá-la em silêncio, evitando a integração. O segundo, ao contrário, se integra e, produz incansavelmente tudo o que pode popularizar seja o que for em termos de cultura. Grandes simplificações, resumos, massificação. Mas recusa e incremento se confundem, ainda mais que este não é o mundo do super-homem. Ele é o nosso mundo, que nasceu com a ascensão das classes subalternas ao patamar que lhes permite a fruição dos bens culturais, e conquistando ainda as condições de produzir esses bens industrialmente. O universo da comunicação de massa é o nosso: rádio, jornais, televisão, música reproduzida e reprodutível, nesse espaço de informações capaz de transmitir até mesmo os próprios protestos. 

O Midcult e seu in e out, a vanguarda de uma arte superior vedada ao homem médio, cidadão da civilização industrial contemporânea, irrecuperável. Mas atenção à diferença entre sensibilidade crítica e tic snobístico que é ínfima. A crítica da cultura de massa acaba por se tornar ela mesma um produto de massa, quando o bom e o mau gosto se tornam categorias flexíveis, que podem servir para definir a funcionalidade de uma mensagem que provavelmente se presta a outras funções, seja no contexto de um grupo, seja no de uma sociedade inteira. Enfim, dificilmente as coisas são redutíveis a definições de belo ou Kitch.

Eco não deixa sequer de entrar no tema complexo que é definir uma obra de arte. E o faz magistralmente, propondo que a obra de arte é uma narração que produz figuras capazes de se tornarem modelos de vida e emblemas substitutivos de juízos de nossa experiência. A obra de arte, portanto, é capaz de inspirar e de influir, de modificar a forma como experimentamos o estar no mundo.

Eis aí questões sobre as quais é preciso refletir. Mais que optar, escolher, ou definir-se, é preciso entender o contexto em que vivemos, não necessariamente apocalípticos nem necessariamente integrados. A perspectiva que Eco nos descortina nessa obra é bem mais ampla que a de simplesmente deixar-se levar pela sedução de uma ou outra possibilidade, no reducionismo simplista do contra ou a favor. Para tanto, basta pensar. Um pouco trabalhoso, é verdade, mas altamente compensador. Como a leitura de Eco, que, na década de 1960, já avaliava tão bem o impacto que o incremento da comunicação de massa, que apenas começava, teria em nossa sociedade 

Fonte: ECO, Umberto. Apocalittici e Integrati. Milano: Bompiani, 1965.