31 de outubro de 2020
Paranapiacaba
Foi em Paranapiacaba, em meio ao nevoeiro mágico que criava, para a gente, todos aqueles efeitos especiais.
26 de outubro de 2020
E eu me lembro bem
Lembro da pedra, a pedra grande que eu amava, imaginando que dentro dela havia ametistas roxas, pontudas, contundentes. Mas, dizia meu pai, que não era para a gente quebrar a pedra. Que ela ficaria ali no sítio até virar poeira, quando o vento a gastasse. E eu perguntava então para ele quando seria isso? Quando o vento gastaria a pedra até ela virar poeira. E ele disse que isso seria daí a muito, muito, muito, muito, muito tempo...
Lembro também do penteado que minha mãe usava, cuja inspiração era Jackie Kennedy. Lembro dessa blusa decote "v", como ela dizia, ensinando-me o que era moda, garantindo que branco e azul marinho era uma combinação de bom gosto. Lembro da blusa, do cheiro do laquê que ela usava para o cabelo ficar no lugar e até do seu perfume. Tinha a saia lápis também. Mas... lápis? Levei mais tempo para entender por que a saia era chamada de lápis, algo que servia para a gente desenhar.
Olho a foto, o passado vira presente: o sol forte. Muito forte. Chato manter-se de frente para a luz, sem se mexer nem piscar, tentando não franzir os olhos, enquanto meu pai tirava a fotografia. Depois o filme ia para revelação. Ah! Mas antes disso, muito cuidado na hora de tirar o rolo de filme de dentro da máquina! A luz queimava! Depois esperávamos ansiosamente o dia de buscar as fotografias que vinham acompanhadas dos respectivos negativos. Mistério. Magia. Um luxo que a virtualidade, de certo modo, banalizou.
É que o cotidiano de décadas atrás hoje me parece bem mais complexo. Porque as coisas todas, a vida mesma era mais caprichada, entremeada de formalismos, tipo assim... a saia rodada, que tinha de ser passada a ferro com goma, o cabelo que não podia ficar solto nem esvoaçando, e mesmo cada fotografia, que pedia para ser ensaiada, porque os filmes tinham em média entre 12 a 24 poses. A máquina fotográfica também era algo muito especial, sempre guardada com cuidado, entendo-se por isso como algo com que eu não podia brincar. Só depois de grande, diziam.
Não que eu tenha, afinal, me tornado muito maior do que era, mas felizmente fiquei grande o bastante para brincar, e muito, de tirar retrato, fotografar o mundo que me cerca, inclusive, e principalmente, as banalidades. Esses quase nada que são o colorido das coisas, a essência dos instantes que ficam assim eternizados, ancorando nossas memórias e avivando nossas vivências.
24 de outubro de 2020
A Rosa
A ROSA
Memorial das Saudades
A minha menina azul. Encontrei-a agora perdida em uma pasta de imagens de 2012. Embora eu jamais soubesse de verdade o que achavas dela, gostei quando escolheste levá-la embora, direto da 407 para São Paulo, acomodada numa moldura e envolvida em papelão.
Nunca te disse que, para mim, era confortador que ela se mantivesse contigo para sempre. Sim, para sempre e, a propósito, tipo aquela música que me deste: Until the last moment. E ela ficou.
E depois, na minha imaginação delirante, acreditava que era impossível fugir dela, de sua presença meio impertinente. Um feminino meio Amélie Poulain. Olhar que guarda um misto de receio e de curiosidade. Recatada, observadora, fria como os azuis, mas vaidosa de um pequeno e mal enjambrado lenço vermelho, que destoa das vestes vitorianas. Devia ser pequena. Mesmo o volume das mangas sugere braços finos e delicados. Pouco importa como ou quem ela era: importante era saber que ficava junto de ti, em algum lugar no qual, mesmo invisível, eu estaria sempre presente.
E pouco importa também que fim ela levou. Afinal, agora, sem o teu olhar, ela volta a ser apenas tinta colorida e óleo que secou sobre um pano esticado. Se fosse humana, seria como carne que retém sangue por cima de um esqueleto: bem como a gente, quando fica assim, desabitada de si e sem sentido nenhum, olhando apenas para o tempo que, sem memória, desacontece com todas as coisas vividas e sentidas.