29 de junho de 2010

A Náusea


Eu queria tanto deixar-me ir, esquecer-me, dormir. Mas eu não posso, eu sufoco: a existência me penetra por toda parte, pelos olhos, pelo nariz, pela boca. E de repente, de um único golpe, o véu se rasga. Eu compreendi. Eu vi.
Sartre, La Nausée, Gallimard, Paris, 1938, p. 178/179.
Foto: Águas do Arroio Dilúvio, Porto Alegre.

19 de junho de 2010

As Coisas

A bengala, as moedas, o chaveiro,
A dócil fechadura, as tardias
Notas que não lerão os poucos dias
Que me restam, os naipes e o tabuleiro,
Um livro e em suas páginas a desvanecida
Violeta, monumento de uma tarde
Sem dúvida inesquecível e já esquecida,
O rubro espelho ocidental em que arde
Uma ilusória aurora. Quantas coisas,
Limas, umbrais, atlas, taças, cravos,
Servem-nos, como tácitos escravos,
Cegas e estranhamente sigilosas!
Durarão para além de nosso esquecimento;
Nunca saberão que partimos em um momento.

BORGES, Jorge Luiz. Elogio da Sombra, Obras Completas, Vol. 2, Ed. Globo, SP, 2000.

16 de junho de 2010

Muito, então...

É, muito mesmo. Então, o jeito é ver como fica agora sem esperança de que acontecesse o que não aconteceu.

Vaidade Ferida

13 de junho de 2010

Desperdício

Entender o tempo? Ele prescinde do nosso entendimento. Só quer que a gente sinta que ele passa, e que raramente se deixa deter. O tempo ensina também. É professor. No mínimo ensina que pode nos custar muito desrespeitá-lo ou desperdiçá-lo. Daí ele nos afronta. Só que, às vezes, ele nos prestigia. Juro que é capaz até de atrasar o relógio do windows para ver o que a gente faz com uma nova chance de viver o ontem!

Extravio

Já é outro dia agora e não tinha nada. Não veio. Será? Como pode ter passado assim o tempo e não ter nada lá, ou aqui, ou sei lá onde... Não estava embaixo do meu travesseiro. Também procurei debaixo da cama, atrás da porta, no fundo do armário. Não tinha nada lá. Procurei na cama do cachorro, dentro daquelas caixinhas todas. Procurei. No armário? Mas nem os meus esqueletos estavam mais lá! Foram ver a copa do mundo vestidos de verde e amarelo. Depois me dei conta de que a escolha já tinha sido feita. O calendário não falha. O tempo não pára. As coisas se sucedem como se fossem de verdade. São? Sei lá! Eu devia ter lido as linhas dos desvios e observado bem o verde da paisagem, o azul que fosse, mas era amarelo e vermelho que brilhava por toda parte. Fiz que não vi, pra ver se passava, se descoloria. Devia ter visto e feito que vi. Devia ter entendido tudo. Devia ter lido a bula, as instruções, devia ter ouvido a ladainha e me ensurdecido à paródia das desencantadas. E devia ter observado bem a direção das setas, para onde elas apontavam. É. Li... Deveras? Sei lá! Esperei um pouco mais, e novamente procurei por tudo outra vez, para ver se estava lá. Não estava. Não encontrei. Com certeza foi entregue à pessoa errada pensei, encantada com a lógica dos iludidos. Mas então, percebi que foi para a pessoa certa mesmo. Eu é que fiz de conta que não vi. Inutilmente.

8 de junho de 2010

Lei de Lowery

Se emperrar, force. Se quebrar, é porque já precisava da conserto de qualquer jeito.

Dieta

Quarta Lei de Finagle

Uma vez que um trabalho foi estragado, qualquer coisa feita para melhorá-lo vai torná-lo pior.

Beldades de Antigamente

Lei de Harver

As palavras de um bêbado são o pensamento de um sóbrio.

7 de junho de 2010

Reclames de Antigamente

Do Barão de Itararé

Quem empresta, adeus...
Tudo seria fácil se não fossem as dificuldades.
O fígado faz muito mal à bebida.

Tipos Femininos

São 12 os tipos femininos elencados em um almanaque de 1917.

01. Autoritária
02. Sentimental
03. Flertadora
04. Desdenhosa
05. Teatral
06. Esportiva
07. Vaidosa
08. Musical
09. Artística
10. Etérea
11. Afetiva
12. Sensível

6 de junho de 2010

LABIRINTO

Não haverá nunca uma porta. Estás dentro
E o alcácer abarca o universo
E não tem nem anverso nem reverso
Nem externo muro nem secreto centro.
Não esperes que o rigor de teu caminho
Que teimosamente se bifurca em outro,
Que teimosamente se bifurca em outro,
Tenha fim. É de ferro teu destino
Como teu juiz. Não aguardes a investida
Do touro que é um homem e cuja estranha
Forma plural dá horror à maranha
De interminável pedra entretecida.
Não existe. Nada esperes. Nem sequer
A fera, no negro entardecer.
BORGES, Jorge Luiz. Elogio da Sombra, Obras Completas, Vol. 2, Ed. Globo, SP, 2000.

Permutações

1 de junho de 2010

Promessas

O que se promete e não se cumpre é recebido como afronta pelo superior, como injustiça pelo igual e como tirania pelo inferior ; assim, é mister que a língua não se aventure a oferecer o que não sabe se poderá cumprir.Diogo de Saavedra
Fonte: Migalhas