22 de março de 2020

Meu velho Arthur

"As ideias, apenas, não os indivíduos, têm uma realidade própria, sendo, sozinhas, uma verdadeira realização objetiva da vontade." Encontro essa frase em Schopenhauer e penso no prazer de ler esse meu adorável pessimista radical, que fala do amor, do sexo, da morte,  do desespero, da dor e do sofrimento, como também da beleza e das belas-artes. 
Em relação ao mundo, — diz ele, — o ato da geração apareceria como a solução do enigma. Porque o mundo, com efeito, se estende no espaço, é velho no tempo e apresenta uma quantidade inesgotável de figuras, tudo isso representando a vontade de viver, no núcleo da qual está o ato da geração. Bem, eis o que Freud descobriu na filosofia e explicou pela psiquiatria.
O autoconhecimento, por sua vez, seria radical: o homem que entrasse em si se reconheceria e ao mundo, elevando-se acima de si próprio e de toda espécie de dor. 
A propósito da música, ele a tem como uma metafísica. A música não expressaria jamais o fenômeno, mas a essência íntima deste, ou seja: a própria vontade. A música nos entregaria a essência dessa vontade, sem nenhum acessório, consequentemente, sem as suas motivações. Eis a razão pela qual nossa imaginação é tão facilmente despertada pela música.
Enfim, definitivamente, Schopenhauer é a melhor companhia para esse momento. Para ele, a vida humana, que oscilaria entre o sofrimento e o tédio, seria mesmo a mais dolorosa forma de vida. 
Ele fala também dos filósofos que já então publicavam suas ideias como jornalistas. Sobre isso, escreveu  em uma carta de 1819 a Blumenbach: "Não tenho senão que uma medíocre estima pelos chamados filósofos que se tornaram publicistas, e que, pelo próprio fato de terem em vista sobretudo os seus contemporâneos, mostram que não saberiam escrever uma única linha que merecesse ser lida pela posteridade." 
Penso então na proliferação desses neo-pensadores que hoje nos assediam on-line, e que parecem ter tando tanto a nos dizer. Eles também falam aos seus contemporâneos, obcecados por um presente imediato que se cria aqui e agora, na perspectiva de um consumo e de uma precificação que se estende às ideias, elas mesmas, tornadas produtos. Nesse contexto, diga-se, que não é à-toa a desesperada busca por seguidores. Afinal, é a quantidade e não a qualidade que monetariza os canais midiáticos. Por isso me conforta pensar que Schopenhauer não foi acolhido por seus contemporâneos. Ninguém se interessou por seu Mundo como vontade e representação, obra que Nietzsche encontrou em um antiquário e que mudou radicalmente o seu pensamento. [Ah, penso eu, quanto devemos ao imponderável!]  Sua obra, contudo, abriu caminho e chegou até nós. Não sei, contudo, quem ainda se encanta com a companhia do meu velho Arthur, com suas ideias e com seu humor inteligente. Não duvidaria nem um pouco que já estivesse na mira da mediocridade dos atuais desconstrutores de ideias, de mitos e de heróis. Afinal, tem gente que só valoriza o que está na moda e o que tem um bom preço no mercado. Schopenhauer deve estar demodé, sem falar que, definitivamente, não é nada popular e desagrada a imensa maioria, tão narcísica de si quando maior se pensa em termos de quantidade.
Pensamentos à parte, é hora de ler.
O resto? Ora, o resto é apenas o resto.