5 de maio de 2019

Essa coisa

"Ninguém fez perguntas, o médico só disse, Se eu voltar a ter olhos, olharei verdadeiramente os olhos dos outros, como se estivesse a ver-lhes a alma, A alma, perguntou o velho da venda preta, Ou o espírito, o nome pouco importa, foi então que, surpreendentemente, se tivermos em conta que se trata de pessoa que não passou por estudos adiantados, a rapariga dos óculos escuros disse, Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos."
Saramago
Ensaio sobre a cegueira

2 de maio de 2019

Tanto faz


Mas nem me lembro mais desse instante impensado. Quando foi? Quando terá sido? Não consulto o arquivo. Pouco importa a objetividade que a datação confere aos fatos. Importa eu. O azul e o rosa, contraste que não desafina. E a sinaleira que lá se chama farol, mas que assim nem dá pra ver se eu passava ou se passei.
Como tudo que vale muito, feito por nada.
Ah. Quer saber? Desconfia sempre das intenções. Em fotografia, elas são sempre traiçoeiras. Em fotografia, elas são sempre muito artificiais. Depois não vá ficar sem jeito, quanto te encontrares transformado em peça de presépio, olhando o nada, pacificamente bovino, quietinho, obediente, ainda que ruminando contrariedades. Não. Deixa assim mesmo. Por acaso, a objetiva fazendo o que quiser. O que mais importa é que este é um retrato meu. Porque eu estava lá, um pouco azul, um pouco rosa, um pouco desatenta. Sem saber até agora se o sinal estava ou não fechado pra mim. Mas, pra falar a verdade, tanto faz o sinal.

1 de maio de 2019

Constatação

Tempo que passa tão rapidamente que mal se percebe o que se vê. Nossos olhos desatentos, nossos encontros fugidios, nossas noites roubadas às rotinas de sempre, nossos sempres quase desfeitos em nuncas, e tudo é por um triz.