2 de março de 2016

Corpo & Linguagem

"Estamos na linguagem como em nosso corpo; nós a sentimos espontaneamente ultrapassando-a em direção a outros fins, tal como sentimos as nossas mãos e os nossos pés; percebemos a linguagem quando é o outro que a emprega, assim como percebemos os membros alheios. Existe a palavra vivida e á palavra encontrada. Mas nos dois casos isso se dá no curso de uma atividade, seja de mim sobre os outros, seja do outro sobre mim. A fala é um dado momento particular da ação e não se compreende fora dela. Sabemos que certos afásicos perdem a possibilidade de agir, de entender as situações, de manter relações normais com o sexo oposto. No seio dessa apraxia, a destruição da linguagem parece apenas o desmoronamento de uma das estruturas: a mais fina e mais aparente. E se a prosa não é senão o instrumento privilegiado de certa atividade, se só ao poeta cabe contemplar as palavras de maneira desinteressada, temos o direito de perguntar ao prosador antes de mais nada: com que finalidade você escreve? Em que empreendimento você se lançou e por que necessita ele do recurso à escrita?"

SARTRE, Jean-Paul. Que é a literatura? São Paulo: Ática, 2004, p. 19.